Mostra no Sesc revela labirinto criativo de Tadeusz Kantor
Dentre as muitas marcas deixadas pelo diretor teatral e multiartista Tadeusz Kantor (1915/90) na Polônia, uma das mais curiosas é sua antiga casa de campo. Reúne obras de Kantor e de artistas como Bob Wilson, mas está esquecida, fechada, mato crescendo.
No meio da propriedade, uma cadeira de 14 metros, de concreto, que havia sido projetada por ele para o mercado ao ar livre de Cracóvia, onde estaria cercada de vida e gente, mas acabou por lá.
A mostra "Máquina Tadeusz Kantor", no centenário de um artista influente no teatro brasileiro e mundial, tem o mérito maior de deixar para trás a sensação museológica, estática, seja da casa de campo ou mesmo da Cricoteka, de onde veio a maioria de suas criações, em Cracóvia.
A obra que abre o percurso da exposição é a Máquina de Aniquilamento, uma plataforma com cadeiras dobradas e empilhadas que servia de palco para a performance "O Louco e a Freira", de 1963.
Por dez minutos, a cada hora, a máquina volta agora a se movimentar e "destruir" a interpretação dos atores que se aventuram sobre ela –e o sentido do que tentam falar. Parada, mais parece um amontoado de móveis velhos. Em movimento, ela ganha vida e altera a realidade.
Numa das muitas frases de Kantor espalhadas pelo labirinto no Sesc Consolação, "não é a obra-produto que é importante, não é seu aspecto 'eterno' e congelado, mas a atividade mesma de criar".
Porém a frase que inicia o trajeto e melhor o resume, junto à Máquina de Aniquilamento, é de Deleuze e Guattari: "Uma máquina nunca é simplesmente técnica. Ela envolve homens, mulheres, ações, lugares, obras, leis, rupturas, saberes, ignorâncias, desejos, isso porque uma máquina é desejo".
Além das máquinas, o espaço tem intervenções criadas pelos atores do Centro de Pesquisa Teatral –de Antunes Filho, um dos diretores brasileiros mais impactados por Kantor– e da Cia. Antropofágica. Os atores são todos orientados por Ludmila Ryba, que foi atriz de Kantor.
Numa performance, Samea Chandoul interage com um manequim, ilustrando trecho célebre do manifesto em que o diretor defende o boneco como encarnação de "profundo sentimento da morte –um modelo para o ator vivo".
A mostra, com educadores também preparados por Ryba para guiar o público, começa pelo térreo, passa pelo restaurante agora com cadeiras que remetem a Kantor e sobe um andar –onde está o trajeto, propriamente, pontuado pelos manifestos e por objetos, fotos, projeções.
De seu espetáculo mais conhecido, "A Classe Morta", talvez para evitar que concentrasse demais a atenção, está presente só um boneco de menino, na carteira de aluno, num canto do labirinto.
A mostra poderia ter sido mais ampla, tomado a própria cidade de São Paulo. No projeto, a cadeira de 14 metros de Kantor seria reconstruída na praça Roosevelt, a duas quadras. Mas a resistência da burocracia municipal, como em Cracóvia, impediu.
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