crítica
Obra do britânico Terry Pratchett retorna ao Brasil em grande estilo
Não está muito fácil rir do fundamentalismo religioso diante do poderio do Estado Islâmico, mas, se existia alguém à altura de tão santa missão, esse alguém era sir Terry Pratchett (1948-2015), mestre da mistura entre fantasia e humor.
Em "Pequenos Deuses", romance do escritor britânico, o leitor descobre o que acontece quando uma religião monoteísta se torna tão poderosa que sua hierarquia e seu credo tomam conta de todos os aspectos da vida de um país.
Jesse Wild - 3.jun.2011/SFX Magazine/Getty Images | ||
O britânico Terry Pratchett, autor de 'Pequenos Deuses' |
Essa simbiose entre igreja e Estado não apenas estimula o surgimento de inquisidores sádicos, assassinatos políticos e conquistas territoriais para maior glória do Senhor como também faz com que, no fim das contas, ninguém acredite em Deus. Ou melhor, em Om.
Esse é o nome da única divindade adorada pelos membros da Igreja Omniana. Acontece que, no fim das contas, os fiéis dessa religião passaram a crer apenas nas estruturas eclesiásticas (ou melhor, a temê-las com fervor), e não no deus propriamente dito.
Como as deidades do Discworld (o mundo ficcional de Pratchett) têm poder proporcional ao número de seus adoradores, o antes onipotente Om se vê reduzido à forma de uma pequena tartaruga.
O único sujeito que ainda crê de verdade no velho deus é um noviço simplório e íntegro chamado Brutha. A divindade-tartaruga, então, faz o que qualquer entidade sobrenatural faria: tenta transformar Brutha em seu profeta.
O Discworld é um planeta em forma de disco, que se equilibra nos lombos de quatro elefantes gigantescos, os quais, por sua vez, apoiam-se no casco da Grande A'Tuin, a Tartaruga-Estelar.
Ocorre que a principal heresia combatida pelos clérigos fanáticos da Igreja Omniana envolve justamente a revolucionária constatação científica de que o mundo parece uma pizza e é carregado espaço afora pela Grande A'Tuin (a ortodoxia omniana exige a crença num planeta redondo).
GALILEU
Se esse cenário estapafúrdio fez você pensar na briga entre Galileu Galilei e a hierarquia católica no século 17, você acertou em cheio.
Reconhecer essas e outras referências é metade da diversão do livro, não apenas pelas sacadas eruditas como também pelas metamorfoses hilárias que o escritor britânico é capaz de operar em elementos como as visões demoníacas dos primeiros monges cristãos, a história de Moisés ou o célebre manual de caça às bruxas "Malleus Maleficarum".
O confronto entre fé e razão, apesar da sátira, nunca é totalmente esquemático.
Pequenos Deuses |
Terry Pratchett |
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O público brasileiro andava órfão das histórias do Discworld. Todas as obras de Pratchett que versam sobre esse universo estavam esgotadas no país (e, aliás, um único livro do autor ainda estava disponível por aqui, o romance "Belas Maldições", escrito em parceria com Neil Gaiman). Nesse sentido, "Pequenos Deuses" é um retorno em grande estilo.
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