CRÍTICA
Versão límpida evidencia marca de Nelson em 'O Beijo no Asfalto'
Em sua quarta montagem para "O Beijo no Asfalto", texto de Nelson Rodrigues de 1961 ""em cartaz no Teatro Augusta"", o encenador Marco Antonio Braz propõe uma versão instantânea, rápida e nem por isso menos indolor.
Com apenas um banco no centro do palco, cortinas negras delimitando ao fundo e nas laterais a caixa preta, Braz evidencia em "O Beijo no Asfalto" a indicação original de 13 quadros: em boa parte da peça, os atores ocupam um único corte longitudinal do palco, prescindindo da noção de profundidade espacial.
Pensar em quadros também é pensar na moldura, suportes bidimensionais em ruído com o teatro. O projeto de iluminação torna a composição de Braz menos chapada e paradoxalmente mais pictórica, dedicando-se a contrastes de efeito noir.
Lenise Pinheiro/Divulgação | ||
Marcos Breda e Pamela Domingues em 'O Beijo no Asfalto' |
Essa possível aproximação com o olhar da pop arte, movimento surgido nos EUA dos anos 1950 que utilizava os processos de produção para as massas na mesma medida em que os criticava, tem bastante a ver não só com a obra de veia folhetinesca de Nelson, mas especialmente com a essa proposta de produção em série: a montagem abre o projeto de Braz de encenar as 17 peças do dramaturgo até 2017.
A trilha sonora e as interpretações nos remetem a filmes anteriores à década de 1950 até. Há um quê dos papéis infanto-juvenis de Judy Garland (1922-1969) em Selminha (Danielle Scavone), mulher de Arandir (Cal Titanero), aquele que, por ter beijado na boca um homem à beira da morte vai ter sua reputação colocada em cheque.
A estilização, o empenho em compor desenhos precisos, impõe ao elenco uma pasteurização intencional, mas há desníveis entre um ator e outro, bem como entre personagens. Scavone põe acento caricatural em Selminha mais do que faz Titanero com Arandir –e parece mais adequada à proposta do que ele.
Se são mais comuns as leituras que dão protagonismo a Arandir e a seu sogro, Aprígio (Alvaro Gomes), Marcos Breda, excelente nesta montagem, consegue deslocar o eixo da leitura para seu papel, o repórter Amado Ribeiro.
Ele não faz apenas uma caricatura para o sujeito que distorce completamente o noticiário sobre o beijo de Arandir. Ele potencializa a caricatura, criando um diabo, o mal personificado, com todo seu potencial mítico. Uma grande atuação.
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