Leonardo Padura investiga judaísmo em novo livro, 'Hereges'
Um menino de nove anos assiste, do porto de Havana, à chegada de um navio com seus pais e sua irmã, judeus da Polônia que, perseguidos, fugiram de seu país em 1939.
O Saint Louis atraca, mas só 28 dos 937 refugiados que haviam zarpado duas semanas antes de Hamburgo, na Alemanha, descem. Cuba, país para onde desejavam emigrar –ou de onde partiriam para os EUA ou o Canadá–, rejeita a entrada dos imigrantes, inclusive a família do rapaz.
Bruno Poletti/Folhapress | ||
Leonardo Padura, na última edição da Flip, em Paraty |
Durante seis dias, parentes esperam no porto, acompanhando negociações entre autoridades e passageiros com a esperança de rever seus familiares. Alguns alugam botes para chegar ao transatlântico e acenar para seus parentes na balaustrada do navio. No sétimo dia, porém, os imigrantes são definitivamente rejeitados, destinados a voltar à Europa para uma morte quase certa.
A história, verdadeira, é ponto de partida para o romance "Hereges", novo do escritor cubano Leonardo Padura, colunista da Folha, que participará na sexta (25) de debate em São Paulo, no qual lançará o livro (leia ao lado).
A rejeição dos refugiados por Cuba em 1939 lembra a reação europeia na atual crise imigratória que o continente enfrenta, a maior desde a Segunda Guerra.
"A história trágica do Saint Louis é só uma entre muitas ao longo da história", avalia Padura. "O que fez dela significativa para mim é o fato de Cuba ter se envolvido em um episódio tão lamentável e obscuro, quando sempre foi um país que recebeu imigrantes –embora, claro, houvesse discriminação racial e social."
Assim como estudou a vida do revolucionário russo Leon Trótski para o romance histórico "O Homem que Amava os Cachorros" (2013), Padura mergulhou na história e na cultura judaicas para escrever "Hereges".
O livro é dividido em quatro partes. A primeira começa com o Saint Louis e desemboca na trama de Daniel Kaminsky, o menino que espera no porto e, depois, busca uma pintura de Rembrandt que pertencia à família –a origem do quadro é contada na segunda parte.
Já a terceira, em 2008, mescla as reflexões melancólicas do ex-policial Mario Conde, personagem recorrente nos livros policiais de Padura, à vida de uma menina emo –moda emotiva dos adolescentes em que Padura enxergou "uma filosofia da relação entre o espírito e o corpo".
A quarta parte, por fim, amarra todas as tramas.
O fio condutor entre elas é a liberdade e a heresia, como antecipa o nome do livro.
No dia em que Daniel perde a esperança de ver os pais, abandona a "disposição de acreditar, sem a qual o ser humano perde a inocência da infância" e "a candura da fé". A partir daí, o menino chamado por amigos de "polaco" rejeita o judaísmo e vira um verdadeiro cubano, amante de beisebol e feijão-preto.
Anos mais tarde, o filho de Daniel decide investigar a história do pai, e a fé que tem nele é posta à prova –para recuperar a pintura, teria sido capaz de matar um homem?
O detetive Conde, por sua vez, descobre que para os emos o importante é "não acreditar em nada", "uma ausência voluntária de fé".
Padura se qualifica não como um herege, mas como um "heterodoxo, alguém que não compartilha as ortodoxias rígidas". "A heresia é o direito do homem de não acreditar no estabelecido, de saltar por cima das ortodoxias dominantes. Ao exercer esse direito, o homem às vezes paga um preço", afirma.
"Sem heresias, o pensamento universal e a civilização não teriam progredido. A obediência e a resignação são boas para a paz, mas más para o progresso. Mais que a falta de fé, o que o herege proclama é outra fé."
HEREGES
AUTOR Leonardo Padura
TRADUÇÃO Ari Roitman e Paulina Wacht
EDITORA Boitempo
QUANTO R$ 56
Livraria da Folha
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