Musicais da Broadway fizeram sucesso no Brasil, mas agora perdem público
Quando a cortina se fechou depois da primeira apresentação de "Antes Tarde do que Nunca", o diretor José Possi Neto subiu para a cobertura do Teatro Cetip, em São Paulo, e abriu caminho entre cerca de 150 celebridades reunidas para acompanhar a estreia.
Distribuindo beijinhos e recebendo cumprimentos de outras figuras do mundo do teatro musical, Possi se derramou em elogios ao talento de seus atores. Falou da qualidade de espetáculos da Broadway que nos últimos anos vêm fazendo sucesso no Brasil, em versões traduzidas. Mas então, indagado sobre as perspectivas futuras dos musicais, respondeu que o pessimismo deitou raízes no país.
Uma década de dinamismo econômico que teve início por volta da virada do século enriqueceu os brasileiros, que começaram a engrossar o público das produções da Broadway tanto em Nova York quanto no Brasil.
São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades tornaram-se destinos importantes para produtores de Nova York interessados em estender o alcance de seus shows. Os musicais atraíram novas plateias entre os cerca de 200 milhões de brasileiros, que cresceram com a música e teatralidade do Carnaval e o melodrama das telenovelas.
Mas há sinais de que o boom do teatro musical no Brasil está encolhendo, enquanto o país mergulha numa recessão crescente que começou no final do ano passado. O desemprego e a inflação estão em ascensão, a previsão é que a economia encolha este ano e um enorme escândalo de corrupção abalou a confiança pública.
"Sofremos muito", disse Fernando Alterio, executivo-chefe da Time for Fun, a maior promotora de musicais da Broadway no Brasil e produtor de "Antes Tarde do que Nunca". Em sua versão original, o musical estreou em Nova York em 2012 estrelado por Kelli O'Hara, Matthew Broderick e uma longa lista de standards de Gershwin.
Antes da recessão, produtores corriam para conseguir licenças de produção dos musicais e astros da TV brasileira disputavam o prestígio de estrelar em um musical importado da Broadway ou um original brasileiro.
Como já fizeram em muitas partes do mundo, "A Bela e a Fera", "O Fantasma da Ópera" e "O Rei Leão" arrecadaram milhões ao sul do equador, e mesmo musicais que foram fracassos de bilheteria na Broadway, como "Chaplin" e "Ghost", encontraram público no Brasil. Enquanto o público crescia, novos teatros eram abertos (incluindo um com 1.200 lugares que será inaugurado em novembro) e outros eram renovados.
Em Nova York, os turistas brasileiros são um dos segmentos que mais cresce entre os compradores de ingressos para a Broadway, além de formarem o segundo maior grupo de turistas estrangeiros que visitam a cidade. (De acordo com a NYC & Co., o setor de marketing de turismo da prefeitura, os britânicos estão em primeiro lugar e os turistas brasileiros gastaram estimados US$2,3 bilhões em Nova York no ano passado.)
Mas a recessão está fazendo esses ganhos encolher. Produtores no Brasil dizem que as vendas de ingressos para musicais no país caíram entre 20% e 30% neste ano. A Time for Fun vai montar menos produções originais da Broadway que o previsto. Outras produtoras estão cortando custos ou reduzindo os preços dos ingressos.
O elenco de "Ou Tudo ou Nada", que estreou no Rio de Janeiro na semana passada, ensaiou em uma sala cedida em um centro comercial árido. O produtor e diretor Tadeu Aguiar reutilizou cenários e figurinos de seus outros espetáculos —se bem que os figurinos de policial dos strippers eram criações originais. Em vez de salário, foi oferecido aos atores uma participação da bilheteria. Sem sindicato que proteja os direitos dos atores, e com desemprego que já passa dos 8%, "muita gente toparia fazer de graça", disse um ator, André Dias.
O musical trata de trabalhadores desempregados em uma economia em recessão que passam a fazer striptease para ganhar a vida. Para Dias, a história vai encontrar eco entre as pessoas no Brasil de hoje: "Todo brasileiro está tentando se reinventar. Estamos realmente vivendo a história mostrada no palco."
Enquanto o real perde valor em relação ao dólar —uma queda de quase 40% no último ano—, fãs da Broadway como a engenheira florestal carioca Vanessa Bloomfield, 42 anos, estão tendo mais dificuldade em viajar a Nova York.
Vanessa e sua mãe faziam fila diante do teatro Vivo Rio, no Rio de Janeiro, na noite de estreia de "Chaplin", musical biográfico sobre Charlie Chaplin que ficou pouco tempo em cartaz na Broadway.
Ela contou que em duas viagens que fez a Nova York desde 2011 assistiu a "Avenue Q", "The Lion King", "Mamma Mia!" e "The Phantom of the Opera" (este, duas vezes). "Eu iria para lá agora mesmo, mas minha mãe teria que pagar", ela disse. "Com a inflação, está caro demais."
Mesmo assim, entrevistas com mais de uma dúzia de grandes produtores de teatro musical nos EUA, Europa e Brasil revelam que quase todos continuam otimistas em relação ao mercado do teatro no longo prazo. Eles dizem que, diferentemente do público teatral durante a última grande recessão no Brasil, 25 anos atrás, quando os musicais ainda eram uma raridade, hoje o público está arraigado.
"O Brasil passou por uma montanha-russa nos últimos anos", falou Peter O'Keeffe, executivo chefe de conteúdo da holandesa Stage Entertainment, que está apresentando "Mudança de Hábito" em São Paulo. Sem se abalar, O'Keeffe disse que a situação atual é típica dos mercados latino-americanos.
Mila Maluhy/Divulgação | ||
Cena da montagem brasileira do musical 'Les Misérables"" na versão de Cláudio Botelho. |
"Um país sai do mapa por um tempo e depois reaparece", ele explicou. "O Brasil é um dos países mais fortes da América Latina. Isto não é uma sentença de morte, de jeito nenhum."
Produções de teatro musical americanas e brasileiras são encenadas no Brasil há décadas, mas as vendas de ingressos começaram a crescer depois de uma produção de "Les Miserables" em São Paulo em 2001, segundo produtores.
Diferentemente de Nova York, no Brasil as produções não conseguem se sustentar unicamente com as bilheterias. Patrocinadores (normalmente grandes empresas) subscrevem as produções em troca de publicidade, e suas contribuições são deduzidas do imposto que pagam.
Com os patrocínios diminuindo, os produtores estão tendo dificuldades em encenar obras de aceitação menos certa. Basta perguntar a Cláudio Botelho, que abandonou os planos que tinha de produzir este ano "Sweeney Todd", de Stephen Sondheim.
Soando um pouco como um produtor nova-iorquino, Botelho disse: "O que vende bem hoje são comédias musicais que tenham um grande nome como atração. Eu não me arriscaria a fazer um show diferente. Com certeza não faria um show triste neste momento."
Musicais americanos de estilo tradicional, como "Antes Tarde que Nunca", ainda podem ter bons resultados, desde que a tradução das letras em inglês para o português seja bem-feita, disse o produtor, tradutor e ator Miguel Falabella, que na produção paulista faz o protagonista, Jimmy Winter.
Quando às locações e aos temas americanos do musical, não é preciso mudar nada. "Um milionário cujo pai lhe vai dar sua vaga no Senado e que vai se casar com uma bandida -isso é tão brasileiro", disse Falabella. "A plateia adora."
Tradução de Clara Allain
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