CRÍTICA
Trama do novo 007 entrega pouco mais que roteiro confuso e clichês
O plano-sequência de abertura do novo James Bond sugere, a princípio, releitura elegante da perseguição tradicional em filmes da série.
O agente secreto segue um criminoso, em meio dos festejos do Dia dos Mortos, acompanhado por uma câmera apenas, sem as tremedeiras e os cortes rápidos e cansativos do gênero de ação.
A filmagem contínua atribuiria ao longa mais realismo, mote da reinvenção da franquia com o ator Daniel Craig, não fosse a ansiedade do diretor Sam Mendes.
Um corte desnecessário na sequência à la "Marca da Maldade" (1958), de Orson Welles, sintetiza o fracasso que é "007 Contra Spectre" (2015).
Mendes tenta fazer muito, com agrados a fãs nostálgicos (quem mais teria paciência para a caça ao tesouro das referências?), elo entre as tramas dos três filmes anteriores e promessas de inovação.
Acaba por entregar pouco mais que um roteiro clichê e confuso, diálogos rasteiros e personagens superficiais.
QUASE
A narrativa segue um eixo policial e outro político. No primeiro, Bond investiga uma pista obscura que o leva à descoberta da organização criminosa Spectre. Contar mais redundaria em spoiler.
O segundo se trata da parte mais interessante de "007 Contra Spectre". Um burocrata do governo britânico, apelidado por Bond de "C", tenta substituir o programa 00, que concede aos agentes licenças para matar, por um supersistema de vigilância.
O risco de fechamento do programa –uma das diversas semelhanças com o último "Missão Impossível"– abre brecha para uma questão moral promissora: por que um governo precisa de figuras com carta branca para matar?
O que é pior? O fim da privacidade em nome de uma suposta segurança ou agentes com ares de Juiz Dredd, personagem dos quadrinhos que acumula os papéis de policial, magistrado e executor?
A aura sociopata conferida por Daniel Craig ao personagem, que prioriza a violência ao cérebro e à sedução, resulta numa pena de morte ambulante e aleatória. O longa é óbvio nas soluções que oferece ao debate, um entre vários "quase" frustrantes.
A viúva (Monica Bellucci) de um criminoso promete ser uma rara Bond girl mais velha, mas acaba seduzida e descartada em minutos. O mesmo acontece com a outra (Léa Seydoux), cujos freios à abordagem machista do herói duram poucas cenas.
O esforço da franquia para se mostrar relevante, propagandeando o tal "realismo", só fortalece a nostalgia.
O que parece importar para os realizadores, no final das contas, é a comparação entre vilões, carros, martínis batidos mas não mexidos, canetas que explodem e Bond girls sempre descartáveis.
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Editoria de Arte/Folhapress | ||
007 - As Bond girls |
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