CRÍTICA
Dá para dormir em boa parte de 'Beira-Mar' sem perder nada
O cinema ao alcance de todos. Essa promessa cumprida pela tecnologia digital liberou a criatividade, antes reprimida pelos altos custos da produção em película. E também provocou o lançamento de obras que precisariam de amadurecimento para chegarem a ser o que querem.
"Beira-Mar", longa de estreia da dupla de diretores gaúchos Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, é exemplo de como a pressa para ocupar um lugar ao sol da "arte" nem sempre ajuda.
Logo após realizarem curiosos exercícios formalistas no documentário "Preservativo" e na ficção "Um Diálogo de Ballet", ambos no formato curta, os diretores já se lançaram no longa, foram selecionados para o Festival de Berlim e receberam o prêmio de estreantes no Festival do Rio.
"Beira-Mar" segue os devaneios de dois garotos, Martin e Tomaz, nos dias que passam numa casa vazia no litoral desolado num inverno gaúcho.
Divulgação | ||
Mateus Almada (à frente) e Maurício Barcellos em cena do filme "Beira Mar" |
A cidade sem ninguém não oferece atrações e eles enchem o vácuo perambulando, jogando, dormindo, bebendo e fumando. Assim, acreditam expressar o mesmo sentimento dos personagens de Antonioni ou de Gus van Sant.
Fragmentos de relações e conflitos aparecem numa visita à casa de parentes e em encontros com amigos. Mas mesmo essas situações potencialmente narrativas são interrompidas, desconectadas de um desenvolvimento dramático tradicional.
Ao longo do filme, a imagem se detém nos dois jovens atores, valoriza a espontaneidade de seus movimentos e falas. Captura o afeto que os aproxima e mostra a latência de um desejo homossexual.
Solta e movimentando-se como numa dança, a câmera compartilha essa intimidade. O tempo todo próximo, o olhar dos diretores expressa cumplicidade, identificação com seus personagens.
O desajuste e reajuste frequente do foco recria a sensação de não conhecer direito, de supor mais que saber, que o filme explora até a virada final.
Se esses aspectos revelam uma consciência do que buscam e um controle das formas, é difícil evitar a impressão de vácuo na ficção, de que, no fundo, o filme tenta se sustentar num oco, pois baseia-se na recusa da progressão dramática e em troca impõe ao espectador um esboço.
O desenlace concentrado nos últimos minutos só intensifica a experiência de uma narrativa artificialmente alongada, como se Matzembacher e Reolon tivessem pensado num curta e decidido realizá-lo com uma duração de... 83 minutos.
Até os cinco minutos finais, podemos dormir, ir ao banheiro, sair para comprar água e voltar com a certeza de que não perdemos nada.
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