Nomeado ontem, diretor Paulo Dallari tenta estancar crise no Municipal
Na tentativa de estancar uma crise detonada pela falta de recursos e pela saída de seu diretor-geral, o Theatro Municipal de São Paulo anunciou nesta segunda (23) que o posto vago será ocupado pelo advogado Paulo Dallari, ex-chefe de gabinete do prefeito Fernando Haddad.
O anúncio foi feito cinco dias após o pedido de exoneração de José Luiz Herencia, que assumiu o cargo em 2013 e enfrentou, neste ano, um cenário de crises financeiras e cancelamentos na programação dedicada a óperas.
O secretário municipal de Cultura, Nabil Bonduki, disse à Folha que o principal motivo da retirada de Herencia foi a pressão sofrida por ele num cenário hostil às instituições que dependem de captação de recursos. O Municipal foi autorizado a captar R$ 26 milhões via Lei Rouanet (com ela, patrocinadores abatem do imposto parte do dinheiro investido em cultura). Aplicaria o dinheiro na temporada lírica de 2015. "Mas conseguiu captar menos de R$ 5 milhões", afirma Bonduki.
Eduardo Anizelli/Folhapress | ||
A fachada do Theatro Municipal à noite |
Sem dinheiro, o teatro teve de cancelar a ópera "Così Fan Tutti", de Mozart, e adiar para 2016 um espetáculo da companhia espanhola La Fura dels Baus.
Nos bastidores, músicos e funcionários falam num ingrediente a mais para este drama do Municipal: as desavenças contínuas entre Herencia e o maestro John Neschling, diretor artístico da casa.
Dallari entra como uma espécie de bombeiro das crises –financeira e de relacionamento. O advogado foi chamado por ser especialista em direito público, afirma o secretário de Comunicação da prefeitura, Nunzio Briguglio. "Eles se desentenderam [Neschling e Herencia], e foi apurado que havia uma crise administrativa. Paulo vai organizar a casa."
Zanone Fraissat/Folhapress | ||
José Luiz Herencia, antigo diretor-geral do Theatro Municipal |
Dallari não é nenhum estranho à administração pública: fora chefiar o gabinete de Haddad (entre 2013 e 2014), foi assessor especial da Casa Civil sob os governos Lula e Dilma. E tem "pedigree jurídico": é, respectivamente, filho e neto dos juristas Pedro e Dalmo Dallari.
É sobrinho da jornalista Mônica Dallari e, por tabela, do companheiro dela, o secretário municipal de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy.
Nunzio diz que, para assumir a direção do Municipal, é preciso ser um bom gestor ("Paulo é dos melhores"), ainda que "não saiba diferenciar tuba de fagote" ("e ele sabe").
Dallari não deu entrevista por ter acabado de chegar ao cargo, diz o secretário –amante de música clássica, sobre a qual escreve no blog "Italianpine", onde elogiou o "comando preciso" de John Neschling numa recente montagem da ópera "Lohengrin", de Wagner, no Municipal.
Por trás das cortinas, era feia a briga entre Neschling e o ex-diretor do teatro.
Um dos pomos da discórdia, segundo funcionários, foi a proposta do maestro –que não quis falar com a reportagem– de adiar a custosa celetização (contratação sob o regime da CLT) dos profissionais da casa. Segundo essa versão, Neschling teria preferido priorizar a verba para a programação de óperas.
AUDITORIA
Uma auditoria do Tribunal de Contas do Município de São Paulo detectou irregularidades na gestão de 2015 do Theatro Municipal. Há um processo tramitando na corte, que pediu explicações à diretoria da casa.
As respostas, já protocoladas, ainda serão examinadas pelo TCM, que não se manifesta nem dá detalhes sobre o caso – o que "poderia configurar pré-julgamento", segundo a assessoria do órgão.
Conforme informou o jornal "O Estado de S. Paulo", em memorando de outubro, Neschling defendeu que os corpos artísticos do teatro (Balé da Cidade, Quarteto de Cordas, Orquestra Experimental de Repertório e Coral Paulistano) fizessem captação de recursos por conta própria.
Na carta de exoneração, Herencia pediu para que "divergências pessoais, interferências exteriores ou o embate entre visões distintas" não comprometam atividades da instituição. Não especificou casos.
À Folha, negou que Neschling tenha sugerido postergar a celetização. "Nossas divergências se deram pelas dificuldades orçamentárias, e pelo papel de cada um no enfrentamento delas. Apenas isso."
O Municipal se limitou a dizer que "a demissão a pedido" de Herencia "se deu por questões administrativas, e não artísticas". E que Neschling "goza do apoio da Prefeitura". A temporada de 2016 será anunciada em dezembro.
R$ 156 MIL POR MÊS
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
O maestro John Neschling, diretor artístico do Theatro Municipal |
O maestro John Neschling foi contratado como diretor artístico do Theatro Municipal por R$ 156 mil mensais. A informação, publicada no "Diário Oficial" paulistano, foi confirmada pela direção da casa.
São seis vezes mais do que o salário do prefeito de São Paulo (R$ 24 mil). Os músicos do teatro ganham entre R$ 6.000 e R$ 28 mil.
O Municipal diz que o salário do maestro é compatível com o que é pago no cenário internacional. Em 2011, a Folha noticiou que a Osesp pagaria à americana Marin Alsop US$ 52 mil (à época R$ 91 mil) por semana (R$ 116 mil em valores atualizados, ou R$ 464 mil/mês), fora gratificações.
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