CRÍTICA
História interessante do longa 'A Marcha' não resiste a má direção
Thomas Bremond | ||
Cena de 'A Marcha' |
"A Marcha", segundo longa-metragem de Nabil Ben Yadir, estreia no Brasil, mesmo com dois anos de atraso, por causa de um gancho óbvio: os múltiplos atentados que fizeram com que a tensão na França atingisse níveis insuportáveis.
O filme mostra a gênese e a execução da marcha contra o racismo ocorrida em 1983, de Marselha a Paris. Baseado em fatos reais, portanto, o que é meio desanimador (o cinema vira refém dos fatos).
Foram cinquenta dias e cerca de mil quilômetros rumo à capital francesa, a partir da cidade portuária com grande concentração de imigrantes.
Inicialmente desacreditada, a marcha foi ganhando força pelas cidades por onde passava, e o filme tenta dar conta de como os participantes lidaram com isso e com os conflitos internos que surgiram pelo caminho.
Mas por que optar por um trabalho hediondo da câmera? Será que há alguma lei que impeça o uso de tripé em filmes que retratam problemas sociais? Não existe mais a menor possibilidade de se pensar em estética enquanto se faz cinema bem intencionado? Rossellini não é mais referência?
Seja lá o que estiver por trás da pobreza formal de boa parte do cinema contemporâneo, é certo que causas nobres costumam jogar esse tipo de preocupação para debaixo do tapete, o que é simplesmente incompreensível.
Após um prólogo eficiente, com uma direção que capta muito bem a tensão de um incidente movido pelo preconceito, a câmera começa a balançar como se estivesse emulando alguém que acena negativamente com a cabeça. E fica assim na maior parte do tempo.
O diretor procura refletir o horror social com esse efeito? Talvez seja mais negligência, uma recusa à composição e à modulação dramática que lamentavelmente soa moderno hoje em dia.
Acontece que, cinematograficamente falando, história alguma, por mais interessante e humanista que seja, resiste a uma má direção.
"A Marcha" só não é um fiasco completo porque o elenco é bom, com destaque para o ator-fetiche dos irmãos Dardenne, Olivier Gourmet (de "O Filho"), e para Jamel Debbouze (de "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain").
E por uma breve e climática sequência em que o diretor abre mão da tremedeira e revela que no fundo sabe filmar (num estilo semelhante ao de Amos Gitai), ao som de "California Dreamin'", hit emblemático imortalizado por The Mamas and the Papas nos anos 1960.
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