Iggy Pop e vocalista do Queens of the Stone Age se unem para gravar álbum
"Agora que vocês já estão bem lubrificados, que tal 'Lust for Life'"?, perguntou Iggy Pop à sua nova banda, em uma voz que mistura sotaque do meio-oeste e a rouquidão de um velho garimpeiro, durante um ensaio em um estúdio em North Hollywood. Ainda que aquele fosse o primeiro ensaio de Pop com o grupo, que tinha começado a preparação sem ele, o clima mudou rapidamente da tensão para entusiasmo.
Depois de cada canção, Josh Homme, do Queens of the Stone Age, que reuniu os músicos participantes, perguntava a Pop se ele queria parar, mas o cantor continuava a pedir mais: primeiro canções novas e depois clássicos de "The Idiot" e "Lust for Life", suas duas colaborações com David Bowie no final dos anos 70. Pop, 68, usava uma camisa estampada escura, calças pretas folgadas e sandálias. Começou o ensaio sentado, mas nas últimas canções já estava dançando pelo estúdio.
"Estávamos conseguindo segurar a onda; foi trabalhoso, difícil, mas estávamos chegando lá", recordou Homme sobre o ensaio inicial do grupo com o vocalista, alguns dias depois. "E quando começamos a tocar 'Lust for Life',estávamos todos suando, dançando, com uma expressão idiota no rosto, e Iggy me olhou e..." Homme imita uma piscada e um sinal oculto com o polegar erguido. "Com Iggy, não adianta esperar elogios. Foi um momento verdadeiro".
As novas canções são de "Post Pop Depression" (Loma Vista), álbum que Homme e Pop compuseram e gravaram juntos, em completo segredo e com total independência. O álbum deve ser lançado em março. A música mostra claramente as impressões digitais dos dois compositores: a clareza incisiva e impiedosa das letras de Pop e o tom decidido de sua voz, e a limpidez, o desenho anguloso e as contorções habilidosas dos acordes e melodias de Homme. (O grupo vai estrear no "Late Show With Stephen Colbert" na noite de quinta-feira.)
De algumas formas, "Post Pop Depression" é uma retomada daquilo que "Lust for Life" não chegou a concluir. "Aquelas gravações apontavam em certa direção, mas aquilo não foi adiante", disse Homme. "Mas, mesmo sem copiá-las, a direção em que elas apontavam permite ir bem longe. E quando você vai bem longe, já não consegue ver aqueles dois discos".
As letras refletem sobre memórias, mencionam personagens de passagem e oferecem conselhos e confissões: podem ser duras, arrependidas, sarcásticas, combativas ou filosóficas. O tema do álbum, segundo Pop, é "o que acontece depois de seus anos de serviço? E onde está a honra?"
Fora do palco, Pop é mais franzino e calmo do que o roqueiro hiperativo em que se converte sob os holofotes. Seu rosto mostra rugas, seus cabelos longos não parecem ter sido penteados para a ocasião; e ele usa óculos professorais. Pensa antes de responder as perguntas, e encara o entrevistador com olhos límpidos, rindo de si mesmo ocasionalmente e empregando vocabulário bem mais elaborado do que os monossílabos que definem suas canções. Ele citou Alexis de Tocqueville e o romancista francês Michel Houellebecq.
Pop prossegue: "Na vida norte-americana, porque ela é tão hipercompetitiva, o que acontece quando você por fim se torna inútil para todos, exceto, com sorte, para você mesmo? E será que é possível continuar sendo útil para você mesmo? Eu tinha uma espécie de personagem em mente. Uma combinação, digamos, entre eu e um veterano das forças armadas".
Pop, membro do Hall da Fama do Rock and Hall, há muito vem sendo saudado como uma das forças primordiais do punk rock, pela música que criou como líder do Stooges no final dos anos 60 e começo dos 70: álbuns de canções bruscas, vigorosas, barulhentas e irreprochavelmente diretas que ele tocava com destemido desprezo pela autopreservação: era comum que terminasse seus shows machucado, marcado, sangrando. Sua música foi adiante por meio de uma extensa carreira solo, pontuada por reuniões ocasionais com o Stooges e colaborações com músicos como o Green Day, Gun N' Roses, Best Coast e muitos outros parceiros ávidos por prestar tributo à sua influência. Entre esses parceiros está Homme, 42, que, como líder do Kyuss e do Queens of the Stone Ages, ocupa posição central no chamado "stoner rock" que emergiu de Palm Desert, Califórnia, nos anos 90.
Homme também é colaborador em tempo parcial do Eagles of Death Metal, banda liderada por seu amigo Jesse Hughes que estava tocando no Bataclan, em Paris, quando do ataque terrorista à casa noturna em novembro. O plano dele era participar do show, mas isso não foi possível. "Só não estive lá por decisão do destino", ele conta. "Acho que meu destino era estar em casa, e trazê-los para casa. As coisas ruins são como um pôr do sol - se dissipam com o tempo. Mas é um pôr do sol bem longo, nesse caso. Meus queridos amigos - como é que vão esquecer o que viram?"
Preparar "Post Pop Depression" foi uma das coisas que o ajudaram a enfrentar as consequências dos ataques. "O fato de que eu tivesse esse trabalho a fazer me salvou", ele disse.
Homme e Pop começaram a compor e gravar juntos em janeiro do ano passado, mas mantiveram o segredo sobre isso. Bancaram o projeto sem o apoio de uma gravadora. "Pagamos nós mesmos por tudo", disse Pop. "Mas gravamos para que fosse ouvido - não para ser algum capricho esquisito que bancamos com dinheiro pessoal, ha-ha".
O resultado, disse Pop a Homme em conversa depois do ensaio, foi que "você me levou a um lugar em que nunca estive".
E Homme respondeu que "o ponto era ir a um lugar ao qual nenhum de nós dois tivesse chegado. Era esse o acordo. E ir até o fim".
Mais tarde, em entrevista separada no estúdio Pink Duck, de Homme, em Burbank - em meio a guitarras e amplificadores de marcas estranhas, e a quadros pintados pela avó do músico -, o parceiro foi mais elogioso sobre Pop.
"Ele é um dos últimos sujeitos que não têm cópia possível", disse Homme. "E o álbum é uma volta olímpica muito merecida para um cara que não tem certeza se venceu. Mas venceu, sim. É verdade que ele teve de escavar seus próprios túneis por boa parte do caminho, mas chegou lá".
A colaboração começou um SMS de Pop a Homme, que recorda: "A mensagem dizia, basicamente, que seria legal se nos encontrássemos e talvez compuséssemos alguma coisa juntos um dia - assinada: Iggy".
Não foi uma proposta que Homme encarasse de modo casual. Descobrir os primeiros discos solo de Pop, ele conta, foi o que o convenceu a desmontar o Kyuss, a primeira de suas bandas a fazer sucesso nacional, na metade dos anos 90. "Eu ouvia 'Lust for Life' e 'The Idiot' no meio de uma turnê com uma banda de muito sucesso", ele conta. "E ficava pensando que aqueles discos diziam exatamente o que eu queria dizer, e que eu não conseguiria dizer melhor. Por isso, larguei a banda".
A mensagem de texto levou a uma conversa por telefone, e depois a um pacote entregue pela FedEx - definido por Pop como um "dossiê" que ele encaminhou a Homme. O pacote continha citações de Walt Whitman, poemas e possíveis letras escritos por Pop, além de outros escritos, entre os quais, para satisfazer a curiosidade de Homme, anotações sucintas sobre os dias de Pop em Berlim e a produção dos dois discos em que ele colaborou com Bowie.
"Tenho boa memória", disse Pop. Refletindo sobre sua parceria com Bowie, que morreu este mês aos 69 anos, Pop demonstrou apreciação: "Ele me ressuscitou", disse. Para Homme, o arquivo recebido causou intimidação. Ele demorou três meses para voltar a contatar Pop, e explicou que tinha demorado porque estava compondo algumas coisas. Ele também enviou alguns poemas e canções em desenvolvimento. Os dois decidiram começar a trabalhar.
Homme disse ter prometido a Pop que "se odiarmos o resultado, se acharmos que ficou terrível, apanho uma pá e os discos rígidos e enterro tudo. Um dia, alguém vai encontrar os hard drives com 'Iggy e Josh' escrito neles, quando estiver construindo uma casa no terreno, e ficará imaginando que diabos é aquilo".
Os dois gravaram as nove canções do disco em sessões curtas nos dois estúdios de Homme: duas semanas em seu estúdio caseiro em Joshua Tree, no deserto, e uma semana adicional no Pink Duck. A colaboração foi total: a regra básica era que nenhum chegasse com uma canção completa - só ideias. E empregaram o mínimo necessário de acompanhamento para manter a conspiração: só Dan Fertita, do Queen of the Stone Ages e Dead Weather, nas guitarras e teclados, e Matt Helders, do Arctic Monkeys, na bateria.
Pop e a banda - que inclui os músicos que o acompanharam no álbum e mais Troy Van Leeuwen do Quens of the Stone Ages, na guitarra, e Matt Sweeney, do Chavez e incontáveis sessões de gravação, no baixo - planejam uma breve turnê em março. O repertório provavelmente incluirá "Success", canção de "Lust for Life" que Pop diz jamais ter tocado ao vivo.
Homme disse que estão selecionando "teatros, não cidades", optando por casas pequenas e bonitas nas quais a presença de Pop talvez pareça ainda mais perturbadora.
"Não faremos muitos shows, e não os faremos em lugares grandes, e será impossível conseguir ingressos", disse Homme. "O que quer dizer que quase ninguém verá, será como tentar segurar fumaça nas mãos. E isso torna tudo ainda melhor. Será especial, e passará em um piscar de olhos".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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