Amazon e Netflix são as maiores compradoras de Sundance até agora
Foi o equivalente a um relâmpago no cinema independente.
Depois de sua première no festival Sundance no sábado (23), o drama "Manchester by the Sea", em que Casey Affleck é um trabalhador que enfrenta problemas familiares, foi vendido não a um estúdio distribuidor tradicional, mas a um serviço de streaming. A Amazon pagou nada menos que US$ 10 milhões pelo filme, deixando para trás estúdios como Fox e Universal.
Depois de passar anos insinuando-se cautelosamente no festival —comprando um documentário aqui, fazendo um lance malsucedido por um filme narrativo ali—, este ano os grandes serviços de streaming estão no comando dos negócios.
Na metade do festival, que dura 11 dias e começou na quinta-feira (21), a Amazon já tinha adquirido quatro filmes. A Netflix já tinha comprado três e estava atrás de vários outros. A maioria das distribuidoras tradicionais ainda não tinha comprado nada.
"Estamos interessados em filmes singulares de artistas que têm algo de novo e interessante a dizer", falou Roy Price, diretor da Amazon Studios.
A orgia aquisitiva dos serviços de streaming não reflete apenas a capacidade desses insurgentes de bolsos fundos de gastar mais que os estúdios convencionais. Os cineastas, que antes faziam pouco-caso das empresas de streaming, andam olhando para as bilheterias parcas dos filmes de arte e decidindo que talvez o mais importante seja garantir que seu trabalho seja visto pelo maior público possível —e, ao mesmo tempo, ser muito bem pagos por isso, é claro.
"Você sempre quer que seu filme seja exibido na tela grande, com som perfeito e a melhor projeção possível", explicou Sian Heder, que dirigiu "Tallulah", drama cômico que estreou em Sundance no sábado e foi comprado pela Netflix por cerca de US$ 5 milhões. "Mas hoje a realidade nem sempre é essa. O modo como as pessoas consomem mídia está mudando."
Interessada em montar um catálogo global de streaming, a Netflix não está especialmente interessada em lançamentos nos cinemas, embora às vezes exiba filmes em alguns poucos cinemas para que eles possam se qualificar para prêmios. Por exemplo, "Beasts of No Nation", de Cary Fukunaga, foi lançado em outubro simultaneamente no Netflix e em 31 cinemas —para a decepção do diretor, apesar de ter feito sucesso no Netflix, o filme foi um fracasso comercial nos cinemas, arrecadando apenas US$ 90.777.
Já a Amazon está tentando ganhar pontos com cineastas —especialmente os que estão de olho nos Oscar, incluindo Kenneth Lonergan, o diretor e roteirista responsável por "Manchester by the Sea"—, abordando o setor do cinema independente mais ou menos como faria uma distribuidora tradicional. "Para cada filme que compramos, queremos que ele tenha uma temporada tão forte quanto possível nos cinemas", disse Price.
Em outras palavras, os filmes que Price comprou no festival Sundance só vão chegar à plataforma de streaming Amazon Prime depois de serem exibidos nos cinemas (por períodos diversos).
Além de comprar "Tallulah", com Ellen Page e Allison Janey, a Netflix pagou US$ 7 milhões pelos direitos globais de streaming a "The Fundamentals of Caring", "road movie" exibido em Sundance que tem Paul Rudd, Craig Roberts e Selena Gomez. Uma das outras aquisições da Netflix é "Under the Shadow", um filme de horror ambientado no Irã.
"Procuramos filmes que sejam bom entretenimento, que tenham uma ótima visão criativa e que possamos exibir para nossos assinantes em 190 países", disse Jonathan Friedland, diretor de comunicações da Netflix.
Outro filme de Sundance que a Amazon vai levar para casa é o documentário "Author: The JT LeRoy Story", sobre um escritor misterioso cuja identidade chocou o mundo literário. A Amazon pagou cerca de US$ 1 milhão pelo filme, mais ou menos o dobro do que algumas distribuidoras se dispuseram a pagar.
A Amazon também adquiriu "Complete Unknown", com Rachel Weisz como convidada misteriosa a um jantar, por pouco mais de US$ 2 milhões, e, pelo mesmo valor, o drama de época "Love & Friendship", baseado num romance curto de Jane Austen.
A Roadside Attractions, co-fundada por Howard Cohen e Eric d'Arbeloff, vai trabalhar com a Amazon para distribuir "Love & Friendship" nos cinemas. "O modelo de exibição de filmes em cinemas continua a ter muito valor, mesmo porque, para os espectadores, o fato de um filme ser exibido nos cinemas significa alguma coisa", disse Cohen.
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Cena do filme "Love & Friendship" |
Para ele, o lançamento de filmes simultaneamente nos cinemas e em plataformas de vídeo on demand, sejam elas por streaming ou não, transmite má impressão aos consumidores. "Por alguma razão, isso passou a ser visto como sinal de que um filme não presta."
Uma década atrás, antes de o boom do entretenimento digital ter ampliado tremendamente as opções de filmes e outros programas, os filmes independentes geralmente conseguiam chegar aos cinemas. "A Pequena Miss Sunshine", por exemplo, comprado em Sundance em 2006 pela Fox Searchlight, arrecadou US$ 70 bilhões nos cinemas da América do Norte, já contabilizada a inflação. O filme chegou a ser exibido em 1.602 cinemas simultaneamente.
Hoje, porém, filmes menores têm mais dificuldade para vender ingressos. Hoje um filme como "Brooklyn" é visto como sucesso. A Fox Searchlight o comprou em Sundance no ano passado, e o filme acumula bilheteria de US$27,5 milhões desde que foi lançado, em novembro, sendo exibido em 906 cinemas em seu auge. Dos filmes vendidos no festival Sundance em 2015, apenas um punhado teve bilheteria superior a US$1 milhão.
Por essa razão, dizem alguns agentes de vendas, as distribuidoras tradicionais estão sendo mais seletivas em Sundance. "Cada ano temos um pouco dessa síndrome", disse Jessica Lacy, diretora de filmes independentes e internacionais na ICM Partners.
"Desta vez, o potencial de sucesso com o grande público de alguns filmes que estão no festival não é tão evidente. Isso pode ser um problema para um estúdio tradicional que procura decidir que negócios fariam sentido."
Ele prosseguiu: "Isto dito, há vários filmes promissores que ainda não estrearam no festival." Por exemplo, "The Intervention", sobre a tentativa fracassada de um grupo de amigos de impedir um casamento de acontecer.
Os compradores tradicionais não foram totalmente deixados de lado. Até o meio-dia da segunda-feira (25), a Sony Pictures Classics já tinha comprado "Equity", thriller sobre Wall Street com ênfase feminina, estrelado por Anna Gunn, e um documentário intitulado "Eat That Question - Frank Zappa in His Own Words". A Lionsgate, através de seu selo Summit, pagou estimados US$ 2,5 milhões por "Indignation", adaptado de um romance de Philip Roth.
"O mercado está um pouco mais devagar este ano que no ano passado, mas também porque as equipes de cineastas estão tendo que examinar mais opções e decidir o que é mais importante para elas", falou Paul Davidson, vice-presidente sênior de cinema e televisão da Orchard, empresa de entretenimento conhecida por filmes como o documentário indicado ao Oscar "Cartel Land".
"O que interessa mais a alguns deles é quem paga mais", disse Davidson. "Para outros, o mais importante é que seus filmes sejam lançados nos cinemas."
Tradução CLARA ALLAIN
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