Dentro de 'campo de concentração', família debate caos contemporâneo
"Uma mãe, uma filha, um marasmo, um campo de concentração", repete o trio de atores em "Sagrada Família", peça que estreia neste sábado (20) em São Paulo.
Como uma colagem de imagens, o espetáculo escrito e dirigido por Gabriela Mellão parte de um núcleo familiar para retratar o caos contemporâneo e como a sociedade se "desumanizou", diz a encenadora. "Usei a família porque ela é o berço da civilização."
A primeira imagem que lhe veio à cabeça foi a de um arame farpado, que em cena delimita palco e plateia. Completa o ambiente pós-apocalíptico e árido do cenário o chão coberto de pó de cimento, criando formas semelhantes às dunas de um deserto.
Lenise Pinheiro - 12.fev.2016/Folhapress | ||
Michelle Boesche (deitada), Ester Laccava e Eucir de Souza durante ensaio da peça 'Sagrada Família' |
"É como um confinamento, um campo de concentração", define Mellão. "A gente vive essa guerra no dia a dia, faz as coisas sem pensar, coloca tudo no automático."
A narrativa é toda recortada. Intercala devaneios existencialistas ("como a vida é um fluir contínuo") e frases banais do cotidiano ("quer sorvete?", "seu chefe ligou"). "É uma síntese das relações humanas", relata a diretora.
Os personagens são como vultos não muito bem definidos. Entende-se, por gestos e atitudes, quem são pai (Eucir de Souza), mãe (Ester Laccava) e filha (Michelle Boesche).
Conduz a trama um fiapo de história: a filha tenta se desvincilhar da família para crescer, criar suas próprias raízes –uma alusão "à força da natureza, a única saída [para o caos]", segundo Mellão.
Muito se dá no terreno da abstração e nada é dito de forma direta. A filha, buscando escapar da pressão familiar, ganha expressões animalescas: grunhe, contorce-se como se imitasse uma árvore.
Noutro momento bem coreográfico, o casal se abraça e se afasta repetidas vezes, como se retorcidos entre sentimentos de dor e amor.
"A peça é isso: imagens, respirações", resume Laccava.
Habituado a construções realistas de personagens, Eucir diz que teve dificuldades com a encenação abstrata da peça.
Buscou em Mondrian –artista que radicalizava a abstração, pintando formas simples, como linhas e cores primárias–um conceito imagético para "Sagrada Família".
Criou diagramas similares às telas do holandês. Com lápis coloridos sobre folhas de papel, desenhou quadrados e matizes que representavam personagens, sentimentos e gestos. O visual do estudo é distante dos tons sombrios da peça, mas resume as intenções das cenas, explica Eucir.
SAGRADA FAMÍLIA
QUANDO sáb. e seg., às 21h, dom., às 19h; até 28/3
ONDE SP Escola de Teatro, pça. Roosevelt, 210, tel. (11) 3775-8600
QUANTO R$ 10
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade