crítica
Diretora Brigitte Sy articula boa história a narrativa forte
Na tradição literária francesa são raros os grandes detetives. Ela é, em compensação, cheia de bandoleiros notáveis, do Arsène Lupin criado por Maurice Leblanc a Jean Genet, passando por José Giovanni (que fez carreira bem razoável como cineasta).
Dessa bela galeria de transgressores das leis sociais faz parte a Albertine Sarrazin de "Astrágalo". Ela é autora e protagonista do romance que deu origem ao filme de Brigitte Sy, no qual se narra sua vida do momento em que foge da prisão pulando um muro.
O detalhe não é à toa: é no momento em que salta que quebra um osso do pé, o astrágalo. Será socorrida por Julien, outro fora da lei que se tornará o amor de sua vida.
Temos então uma criminosa que se torna fugitiva e, ao mesmo tempo, deficiente física, já que o astrágalo quebrado impedirá que uma de suas pernas se dobre. O caráter simbólico é evidente: mancar, nunca poder andar direito etc. No mais, a perna se atrofiará, de modo que em dado momento ela mesma dirá que tem "uma perna de vedete e uma de boneca".
Temos aí toda a particularidade da história: uma criminosa (mulher), fugitiva, vivendo em um meio criminal, apaixonada por um bandido, vivendo de se prostituir e às voltas com uma ex-namorada ainda apaixonada por ela.
Divulgação | ||
Cena do filme 'Astrágalo' |
Uma história romântica, portanto, à qual se poderia acrescentar o fato de Albertine ser argelina (o que nunca ajudou ninguém na França, e ainda menos nos anos 1950, período da trama), não larga seu bloco de anotações e, nos momentos de lazer, lê Céline ("Morte a Crédito")...
Com todos esses elementos seria fácil ceder à tentação da tolice. É precisamente aí que começam a se manifestar as virtudes de Brigitte Sy (aliás, uma cineasta de família: atriz, ex-sra. Philippe Garrel, pai dos atores Louis e Esther Garrel –Esther interpreta o papel de Marie, a ex-namorada de Albertine).
Neste seu segundo longa-metragem, Sy articula uma boa história à narrativa forte. O encontro dessas duas virtudes é uma coisa rara no cinema francês recente, que oscila quase sempre entre o comercialismo alienado e um cerebralismo que leva nas costas o peso e o envelhecimento da cultura europeia.
Ao mesmo tempo, despoja de todo possível apelo melodramático: Brigitte não acredita em lágrimas, nem no novelão. Acredita, ao contrário, no acúmulo de detalhes e gestos significativos.
Da mesma forma que dá forma ao caráter libertário de Albertine, não deixa de enfatizar suas contradições (o ciúme em relação a Julien é, no mínimo, convencional). O empenho central de Brigitte Sy consiste em buscar os tempos precisos, achar a melhor distância entre personagens e câmera, encontrar a solidez das cenas a partir da interpretação (Leïla Bekhti e Reda Kaleb, muito bons).
Pode-se argumentar que tais virtudes estão longe de serem originais. Com efeito, não se trata de uma produção inovadora. Nem sempre isso é necessário, como bem sabia Claude Chabrol.
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