Semana na TV tem mistério, dilema moral e comemoração óbvia da Páscoa
SEGUNDA-FEIRA (21)
Não faz muito tempo que a gente falou de "A Conversação" (1974, TC Cult, 11h40), mas o tema de Coppola, aqui, é incontornável. O que significa, afinal, ser um especialista em escuta (no filme, Gene Hackman é bem mais que um reles "grampeador").
É essa questão, na forma de um problema de consciência: o que significa invadir a vida dos outros? Que consequências pode trazer para outros a atividade meramente profissional?
Divulgação | ||
Cena de "Acossado", filme de Jean-Luc Godard |
"O Homem que Matou o Facínora" (1962, TC Cult, 19h40) é um dos grandes faroestes de John Ford. E esse Ford foge à definição de John Carpenter, que o via como um bom sargento. Aqui são as relações delicadas entre aparência e realidade que movem a história em que se cruzam um famoso pistoleiro (John Wayne) e um advogado, futuro senador (James Stewart).
Também hoje "Acossado" (1959, Arte 1, 11h e 3h15), o luminoso Godard inaugural.
TERÇA-FEIRA (22)
Uma das melhores coisas da exposição (meio esquálida) de Mondrian no CCBB, há pouco tempo, foi a entrevista de Paulo Pasta, pintor brasileiro, onde falava (cito de lembrança) sobre a racionalidade e a diversidade das linhas do mestre holandês.
Não sei se foi no Curta! ou no Arte1. O certo é que hoje passa o documentário francês "No Estúdio de Mondrian" (2010, Curta!, 23h) e vale a pena deter-se sobre o trabalho do pintor, central para o século 20.
A misteriosa evidência de Mondrian está mais próxima, no cinema, de Hawks do que de Hitchcock. O mestre inglês é o poeta do velado, do secreto. E nenhum filme mais secreto do que "Os Pássaros" (1963, TC Cult, 17h30). Através dos tempos sempre se pensará: mas o que, afinal, podem significar aqueles pássaros revoltosos? Pode-se pensar na natureza, no mal estar na civilização... O mistério permanecerá. E isso é que é extraordinário.
QUARTA-FEIRA (23)
Existe uma saga interessante, que é a dos personagens que não suportam a imbecilidade. Hannibal, o canibal, de "O Silêncio dos Inocentes", é um deles. De tempos em tempos, Tim Burton também investe nesse filão.
Mas "Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet" (2007, HBO, 15h) é de natureza um pouco diversa. A injustiça será o foco central: aqui estamos na Inglaterra vitoriana, onde um barbeiro vive com sua bela mulher. Belíssima, aliás, ela atrai a atenção de um juiz poderoso, que trata de tirar o barbeiro do caminho e se apossar da mulher.
Boa ideia, sim, mas não a longo prazo, pois um belo dia o barbeiro volta a Londres, com o nome de Sweeney Todd. Daí por diante, ai de quem entrar na barbearia e tiver contas a acertar com ele.
A crueldade será grande, mas nem por isso Tim Burton (com a ajuda de Johnny Depp) perderá o humor. E menos ainda a imaginação.
QUINTA-FEIRA (24)
Se há um cineasta de quem os filmes de Ugo Giorgetti me lembram é Jean Renoir. Como o francês, Giorgetti faz seu trabalho girar em torno dos atores. Em "Cara ou Coroa" (2012, Canal Brasil, 18h20) ele volta a São Paulo —quer dizer: de onde nunca saiu.
Volta aos anos 1970, à era da repressão, quando um diretor teatral tem de encontrar abrigo para um par de militantes. E o melhor que ele consegue fica na casa de um general reformado (Walmor Chagas).
Como com Renoir, não é a verdade aparente que interessa a Giorgetti. Existe algum erro na reconstituição de época? Pode ser. O importante é que ela não foi feita olhando as revistas da época: é um espírito que ela busca.
Do mesmo modo, temos sempre a impressão de que os papéis foram feitos para os atores, e não os atores escolhidos para os papeis. Uma inversão que faz desse último Walmor (ele morreria em 2013) um Walmor inesquecível.
SEXTA-FEIRA (25)
O que terá mudado entre "A Doce Vida" (1960) de Fellini e "A Grande Beleza" (2013, Max, 22h), de Paolo Sorrentino? Muita coisa, e o filme gira em torno disso.
Como escreveu Matheus Pichonelli, cuja crítica na "Carta Capital" me ensinou a gostar do filme, trata-se de observar o contemporâneo a partir de um lugar muito especial: Roma. A cidade que, em vez de se adaptar à modernidade, forçou a modernidade a adaptar-se a ela.
Divulgação | ||
Isabella Ferrari e Toni Servillo em cena de "A Grande Beleza" |
Ali pontifica Jep, ex-escritor, mas ainda um personagem mundano. E nesse universo agitado ele não consegue distinguir nada de novo ou interessante. O que ele vê é o nada. E sobre o nada não se escreve. Assim ele justifica seu silêncio. Não há mais nada a dizer, mais nada a sentir.
"A Grande Beleza" parece hesitar por vezes entre se perguntar se o mundo sucumbiu ao nada ou se é Jep, aos 65 anos, que já não pode mais sentir nada. Ou ambos?
SÁBADO (26)
Nelson Rodrigues falava sempre de alguém (talvez ele mesmo, já não lembro) que dava tanto duro quanto remador de "Ben-Hur" (1959, TCM, 15h).
As cenas dos remadores eram, com efeito, das mais marcantes do filme de William Wyler, a segunda versão da história do judeu que, traído pelo amigo romano Messala, vai para as galés. A mãe e a irmã não têm um destino muito mais brilhante.
Mas Judá Ben-Hur voltará. E, entre outras, disputará uma corrida de bigas que se tornou outra cena célebre do filme, a mais célebre na verdade. Filme a calhar, agora que esperamos a versão 2016.
O sábado traz ainda outros filmes que merecem atenção: o notável "A Pele de Venus" (2013, TC Cult, 22h) é um deles. "Militares da Democracia" (2014, TV Brasil, 22h), documentário de título aparentemente paradoxal feito por Sílvio Tendler, é outro.
DOMINGO (27)
Nunca é demais chamar a atenção para o quanto é limitado o repertório da nossa TV paga. Com seu gosto pelo habitual, temos hoje "O Curioso Caso de Benjamin Button" (2008, HBO Family, 12h43), de David Fincher.
É a história de um homem que vive a vida inversamente, isto é, nasce velho e morre criança. O filme não é nada de mais. Se, porém, lembrarmos que, com a mesma história, o japonês Eizo Sugawa fez uma obra-prima ("Raras Flores Flutuantes"), já no fim de carreira, ali nos anos 1980, podemos lamentar o fato de nunca, ou quase, termos acesso senão a uma produção óbvia.
Peter Mountain/Warner Bros./Reuters | ||
O ator Philip Wiegratz em cena do filme "A Fantástica Fábrica de Chocolate", de Tim Burton |
Óbvia é a comemoração da Páscoa sugerida pelo canal Warner, com as duas versões de "A Fantástica Fábrica de Chocolate" (às 19h45 e às 21h52), a de Mel Stuart (1971) e a de Tim Burton (2005).
Melhor esquecer o caso de fanatismo religioso (e perigoso anti-semitismo) que é "A Paixão de Cristo" (2004, 17h25), de Mel Gibson.
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade