CRÍTICA
Adaptação é tendenciosa ao dar espaço para apenas um lado
Uma das precondições básicas para que uma reportagem seja publicada é que esteja tão próxima dos fatos tais como ocorreram quanto tenha sido possível apurar até aquele momento. É importante ainda que exiba com destaque seu contraditório, quando houver, e que este não seja capaz de anular ou tirar a força da informação original.
É o que diferencia o jornalismo profissional daquele praticado, por exemplo, pela blogosfera militante.
Na história que é tema do filme "Conspiração e Poder", o pré-requisito não foi atendido. Havia dúvidas suficientemente fortes para um editor mais severo barrar a reportagem levada ao ar pelo "60 Minutes 2", segunda edição do programa jornalístico de mais renome e de maior duração da TV norte-americana na década passada.
Divulgação | ||
Cena do filme "Conspiração e Poder" |
O descuido custou a carreira de dois excelentes profissionais, o âncora Dan Rather e a produtora-executiva Mary Mapes. Na era de ouro dos telejornais norte-americanos, dos anos 80 ao começo deste século, as Três Irmãs, como eram chamadas as principais emissoras abertas, competiam pela audiência como times de futebol competem pela taça.
Para tanto, cada uma contava com seu Pelé, Messi ou Cristiano Ronaldo. Com salários e luvas milionários, Peter Jennings era o rosto da ABC, Tom Brokaw, o da NBC, e Dan Rather, o da CBS.
Como os programas iam ao ar mais ou menos no mesmo horário, entre as 18h e as 19h, e como estamos falando de uma era pré-popularização da TV paga e da internet, escolher um deles era escolher o rosto que o informaria por boa parte de sua vida adulta.
A opção definia um pouco o perfil político do espectador. Rather era um texano liberal, simpatizante dos democratas, que foi descoberto ao cobrir o assassinato de John F. Kennedy, em 1963, em Dallas, onde estava por acaso. Menos de duas décadas depois, tomou o posto do lendário Walter Cronkite, que se aposentou.
Além de apresentar o telejornal, colaborava com o "60 Minutes 2", onde a reportagem polêmica foi ao ar. O episódio marcou tanto o jornalismo local e ficou tão conhecido que seria transformado em ficção na série "Newsroom".
Raros são os filmes sobre jornalismo que conseguem ser interessantes o suficiente para ampliar sua plateia para além dos profissionais. "Spotlight", atualmente em cartaz e premiado com o último Oscar, faz isso muito bem.
"Conspiração e Poder" falha. Não pela história, interessante, mas porque peca do mesmo defeito da reportagem que lhe deu origem: toma liberdade com os fatos, é tendencioso e dá espaço a apenas um dos lados envolvidos –o de Dan Rather e Mary Mapes.
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