CRÍTICA
Adaptação de Beauvoir para as telas carece de originalidade
"Autorretrato de uma Filha Obediente" é, em vários sentidos, um filme sobre filiações. O primeiro aparece na tênue trama que gira em torno das decisões que a personagem central, Cristiana, toma ao chegar aos 30 anos.
Morar sozinha, comprar um cachorro, libertar-se da dependência afetiva com um cara casado que a trata mal são as ações que dão corpo à personagem.
Ao mesmo tempo, sua vontade de autonomia esbarra na falta de grana, na presença de um pai que a mima demais, no desentendimento entre anseios femininos e cinismos masculinos.
A diretora romena Ana Lungu organiza essas situações de modo a explicitar o momento de Cristiana como uma sucessão de improvisos. Assim, projeta o sentimento de incertezas que sua protagonista experimenta.
Divulgação | ||
A atriz Elena Popa (à dir.) vive a protagonista Cristiana, cujos dilemas ao completar 30 anos estão no centro do filme |
A narrativa inarticulada deixa a impressão de pouco avanço no sentido dramático convencional, o que se ajusta bem à ideia de uma existência que gira em círculos.
Outra filiação é evocada na referência do título às "Memórias de uma Moça Bem-Comportada", autobiografia da juventude de Simone de Beauvoir, ícone e pioneira do feminismo.
As dificuldade da autodeterminação feminina num universo determinado por forças masculinas, do prazer sexual à diferença salarial, dialogam com o que a pensadora francesa chamou de "segundo sexo".
UNIVERSAL E ABSTRATA
Tal como Beauvoir fez em textos nos quais elabora a reflexão a partir de vivências, a realizadora não pretende representar uma mulher universal e abstrata. Lungu nasceu em 1978, sob o comunismo férreo do ditador Nicolae Ceausescu, e projeta em Cristiana as dúvidas de quem vive agora os conservadorismos da "liberdade" capitalista.
É no terceiro sentido de filiação que o filme se torna acanhado. A diretora começou no cinema como parte da equipe de "A Morte do Sr. Lazarescu" (2005), longa que chamou a atenção internacional para a geração romena que atualizou o código realista ao confrontar o passado recente e o presente do país.
A câmera fixa, a encenação do banal, a falação contínua foram recursos estilísticos que singularizaram realizadores como Cristi Puiu, Corneliu Porumboiu e Christian Mungiu na década passada, mas que eles próprios já ultrapassaram.
Ao filmar segundo o mesmo esquema, Ana Lungu afirma-se como aluna aplicada, mas ainda sem originalidade, uma espécie de filha obediente.
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