Cão é o mundo, diz Marcelo Rezende, apresentador do 'Cidade Alerta'
Jorge Araujo/Folhapress | ||
Marcelo Resende, apresentador do policial 'Cidade Alerta', da Record, durante transmissão do programa |
Quando narra mais uma de suas histórias romanescas, Marcelo Rezende tem por hábito concluir seus raciocínios com o bordão "e aí, resumo", sintetizando tudo o que falou antes. E aí, resumo: para ele, cão é o mundo, não os programas policiais como o seu "Cidade Alerta" (Record).
As quatro horas diárias em frente às câmeras obrigam o apresentador a usar meias de compressão por baixo das calças –aos 64, fica mais difícil aguentar o tranco, explica ele– e garantem o segundo lugar na audiência.
Quando rodou a vinheta de abertura do "Cidade" na última terça-feira (26), às 16h30, a emissora registrava 4 pontos na Grande São Paulo (cada ponto equivale a 197,8 mil espectadores). Terminou às 20h30 com 16 pontos.
Com o mesmo traquejo com que conta como largou o colégio aos 17, em 1968, para ser hippie e vender artesanato, ele narra uma espécie de prólogo de uma reportagem sobre uma tragédia familiar em que o genro assassinou a sogra.
Por vezes se inflama, mas diz que jamais exagera. Um desses momentos ocorreu em 23 de junho de 2015, quando "o mesmo Marcelo Rezende que denunciou a violência policial na Favela Naval, como ele próprio ressalta, teria incitado a selvageria ao bradar frases como "atira, meu filho, é bandido" enquanto narrava uma perseguição policial.
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Marcelo Resende, apresentador do policial 'Cidade Alerta', da Record, durante transmissão do programa |
As imagens foram transmitidas pelo helicóptero do "Cidade Alerta", que Rezende acompanha em um dos quatro televisores instalados no estúdio, posicionados entre as três câmeras que o captam.
Além do sobrevoo do helicóptero e do próprio programa, ele assiste ao que está no ar na Globo e na Band e usa a concorrência como critério para manobrar em busca da audiência: diminui a duração de uma matéria, chama o helicóptero ou inverte a ordem dos videoteipes. E aí, resumo: acaba editando o "Cidade" enquanto o apresenta, ao vivo.
DENÚNCIA
O caso de junho de 2015 foi denunciado pelo Ministério Público Federal à Justiça em janeiro. O órgão considera que o programa fez apologia da violência e desrespeitou a presunção de inocência. Exige retratação da Record no mesmo horário, por dois dias.
"Todo mundo fala em liberdade de expressão. Tenho a minha opinião e não vou deixar de dar. Não tinha como evitar, era ao vivo." Questionado se ele gostaria que seus netos, ainda crianças, assistissem a um policial disparar à queima roupa, ele diz que "os pais mudariam de canal".
Raciocínio semelhante ao do procurador Pedro Antonio de Oliveira Machado, que o denuncia: há um impasse entre liberdade de expressão e abuso. "O cidadão tem o controle, e o controle remoto está na mão dele. É só trocar de canal. Mas, nesse caso, acredito que houve um abuso excepcional, atinge valores muito caros da sociedade."
Violações não são casos isolados no "Cidade Alerta" e em programas similares, segundo um estudo da ANDI Comunicação e Direitos e do coletivo Intervozes: foram 358 em março de 2015. O coletivo analisou 28 atrações policiais em todo o país durante um mês e contabilizou 4.500 infrações, como exposição indevida de pessoas ou violação do direito ao silêncio –nesse quesito, o "Cidade Alerta" também lidera.
Há também críticas de dentro da polícia de que o programa, ao narrar de maneira alarmista casos de roubo e latrocínio (deste último, na última terça, foram dois), reforça a sensação de insegurança (no intervalo, ele anuncia a empresa de segurança Car System).
Rezende rejeita a interpretação de que faça sensacionalismo ou exiba o "mundo cão". "Mostro a realidade. A vida é assim fora dos Jardins, de Ipanema." E diz perceber certa injustiça em relação a seu trabalho. Muitas vezes defende posições progressistas, como o direito ao aborto.
Hoje, a maioria das pautas do "Cidade" denuncia casos de violência contra a mulher –e metade da audiência é feminina. Um agressor que estava desaparecido, cuja foto foi exibida na terça, reapareceu preso no programa de quinta (28). E aí, resumo: o mundo é mesmo cão, e na TV parece pior.
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