crítica
Depressão une personagens lituanos que buscam se comunicar
Com 30 anos de carreira na Europa, o lituano Sarunas Bartas chega enfim ao circuito brasileiro carregando a reputação de ser, a exemplo do italiano Michelangelo Antonioni, um cineasta da incomunicabilidade.
A julgar por "Paz para Nós em Nossos Sonhos", a definição é limitada. Nesta obra selecionada para a Quinzena dos Realizadores em Cannes, tudo que os personagens fazem é tentar se comunicar.
Mas não se trata de uma comunicação funcional como a do cinema clássico, em que os diálogos servem para fazer a trama avançar e para expor, didaticamente, os sentimentos dos personagens.
É uma tentativa de comunicação mais próxima da vida: cheia de não ditos e hesitações, de pensamentos confusos e inconclusos, de frases feitas em meio a falas densas.
Divulgação | ||
Ina-Marija Bartaite em cena de "Paz Para Nós em Nossos Sonhos" |
Também à diferença do cinema narrativo, não há propriamente uma trama, mas uma situação: um homem (o próprio Bartas), sua atual companheira (Lora Kmieliauskaite) e a filha adolescente (Ina Marija Bartaité) passam um final de semana em uma casa de campo.
Eles parecem unidos antes pela depressão do que pelo afeto: pai e filha não se recuperaram da morte da mulher/mãe; a nova companheira, violinista, perdeu o interesse na arte e o prazer pela vida.
Em torno deles, gravitam alguns personagens: os vizinhos brutos com um filho sensível, que se interessa pela adolescente; uma ex-amante que vem visitar o homem; caçadores, policiais, jovens que acampam.
Ao trio central, a viagem será uma chance de recosturar relações esgarçadas, de buscar tábuas a se segurar depois do naufrágio. E, para tanto, eles precisam falar sobre o que os mantêm isolados do mundo, afastados uns dos outros.
Bartas acompanha seus personagens de perto e sem pressa, em um estilo já comparado ao de Tarkóvski. A encenação tem uma solenidade que beira o espiritual, em que cada palavra e cada ação têm uma força quase ritualística.
O lituano também já foi aproximado ao francês Robert Bresson, pelo humanismo ascético, pelo uso de não atores (Bartaité é filha do diretor e Kmieliauskaite é violinista na vida real), pelos gestos e sentimentos contidos.
Mas, apesar da herança dos mestres estarem no filme, Bartas consegue desenvolver um olhar próprio, sobretudo na contraposição entre o tumulto interior do trio e a placidez da natureza que os cerca.
Mesmo com o atraso de décadas, a chegada ao Brasil de um cineasta singular deve ser motivo de celebração.
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