crítica
Alemão disseca espírito da arte pré-1ª Guerra em livro
Reprodução | ||
'"Quadrado Negro"', obra de 1913 do russo Maliévitch |
Nos primeiros segundos de 1913, o trompetista Louis Armstrong tem 12 anos e dispara um revólver roubado em Nova Orleans. Ele vai para uma casa de correção para menores negros infratores, apronta o diabo e acaba recebendo um trompete no lugar do tapa que o diretor do local queria lhe dar. Começava aí uma amizade eterna e brilhante entre um homem e um instrumento musical.
Já o ano de 1913 –que antecede a Primeira Grande Guerra– se inicia de forma quase normal, não fossem algumas explosões de alegria aqui e ali, romances em desenvolvimento, obras de arte em expansão e uma espécie de angústia que antecipa o que está por vir.
Ao desmembrar o ano em seus 12 meses e assim descrever acontecimentos –às vezes não tão importantes– na vida de personagens cruciais de antes e depois da guerra, o alemão Florian Illies conseguiu capturar, com verve, melancolia e humor, o espírito de uma época.
O livro, "1913 "" Antes da Tempestade", permite uma leitura veloz e curiosa. Nesse ano de números supersticiosos, a Mona Lisa, que fora roubada do Louvre em agosto de 1911, permanece desaparecida até dezembro, quando é resgatada do italiano que planejava levá-la de volta para casa –ou seja, Florença.
Também é o ano em que nascem dois símbolos moleques da arte contemporânea: o primeiro ready-made de Marcel Duchamp, a roda de bicicleta sobre o banco, e o "Quadrado Negro" de Kazimir Maliévitch.
Não só a arte vive momentos de ápice criativo e provocador –os artistas também estão de pernas para o ar, tentando dar um jeito em suas vidas desmioladas. Todos têm amantes, a dança das cadeiras é intensa e mulheres poderosas e desafiadoras como Alma Mahler, Lou-Andreas Salomé e Sidonie Nádherny fazem grandes estragos nos corações de Rainer Maria Rilke, o poeta, e Oskar Kokoschka, o pintor, só para ficar em alguns dos mais citados mês a mês.
Reprodução | ||
"Roda de Bicicleta"', obra de 1913 do francês Duchamp |
Outros, como Georg Trakl, o alemão atormentado, de versos sombrios, e o tcheco Franz Kafka curtem paixões mais domésticas (no caso de Trakl, a própria irmã). Em 1913, Kafka está às voltas com um pedido de casamento a Felice Bauer que consome dezenas de páginas cheias de justificativas para ambos os lados da questão. Kafka, de fato, era um problema, e Felice acaba fugindo dele.
Enquanto isso, o escritor Thomas Mann encara a própria homossexualidade, que ele mal disfarça no romance "Morte em Veneza", publicado no final de 1912, em que narra a história de um músico consumido pelo amor platônico de um garoto e pela peste que ronda a cidade italiana.
Veneza, aliás, faz várias aparições nesse ano de 1913, carregado de premonições desastrosas, além de uma selvagem vontade de viver.
1913 |
Florian Illies |
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Mas a guerra veio com tudo e matou mais de dez milhões de pessoas, muitas das quais eram artistas que ainda no ano anterior corriam atrás das mulheres e perpetuavam algumas de suas obras-primas.
CADÃO VOLPATO é escritor e músico, autor de "Pessoas que Passam pelos Sonhos" (Cosac Naify)
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