Nobel de Literatura abandonou tragédias para escrever sobre o amor
Quando Svetlana Aleksiévitch chegou a Tchernóbil, viu soldados trabalhando para conter o fogo do acidente nuclear de 1986. Apesar dos esforços, "todos compreendiam que nada funcionaria: havíamos sido deslocados para outro mundo, para outro tipo de morte", contou a Nobel de literatura na tarde de terça-feira (5), durante encontro com leitores no Sesc Consolação, em São Paulo.
A escritora bielorrussa de 68 anos, uma das estrelas da 14ª Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), afirma que, a partir daquele 26 de abril, as pessoas se ocuparam com coisas que nunca haviam feito. "Como lavar a madeira para não pegar fogo", lembra. "Era outro mundo."
Ela conta que crianças foram levadas de Tchernóbil para a Sibéria para o período de descontaminação. No caminho, diz, "as pessoas tinham medo delas, de que passassem radiação".
Renan Abreu/ Divulgação | ||
A jornalista Patrícia Campos Mello e a escritora Svetlana Aleksiévitch, no Sesc Consolação |
Alguns dos sobreviventes relataram seus sofrimentos em "Vozes de Tchernóbil" (Companhia das Letras). Foram umas 700 entrevistas, diz a escritora. "Elas são... Nós somos caixas-pretas."
Algumas das pessoas procuraram a escritora depois de darem depoimentos para o livro. Queriam complementar declarações porque, diz ela, estavam próximas da morte. "A palavra é importante para nós, pois é o que sobra depois que se morre".
AMOR
O ciclo de obras sobre tragédias –que tem ainda "A Guerra Não Tem Rosto de Mulher" (Companhia das Letras), sobre mulheres que lutaram no Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial– está no fim.
A bielorrussa decreta: "Já falei tudo sobre guerras". Suas próximas obras devem tratar de amor e de velhice.
"Eu não posso mais estar em campo de guerra, não tenho mais forças para isso", diz.
Na Flip ela também havia comentado que não escreverá mais sobre períodos sombrios da história: cansou-se de"ver corpos aos pedaços".
Nem por isso a nova empreitada –escrever sobre o amor– será mais fácil do que a tarefa de "fazer uma obra artística e filosófica" sobre uma tragédia. "Para mim, [guerras e catástrofes] eram transparentes, significavam tomar o lado do bem. Já o mundo do amor é uma construção tão complicada."
Ela lembra que a literatura russa –sobretudo a atual– não tem o amor como assunto predileto. "Fala sobre destinos humanos e conflitos, mas nunca sobre amor."
Desafiada pela mediadora Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha, a dizer o que era o amor, Aleksiévitch não soube afirmar. Devolveu a pergunta à jornalista, e o encontro acabou sem a resposta.
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