Estudos pequenos de Volpi revelam como artista construiu sua obra
Ele não gostava de teorias. O pintor Alfredo Volpi construiu seu mundo de fachadas e bandeirinhas com os pés firmes no chão, ancorado na visão do casario e das festas da cidade. Mas, por maior e mais sólida que fosse essa sua realidade, tudo surgia primeiro em seus quadros de pequeno formato.
Esses mundos reduzidos e delicados, que nunca passam de meio metro de tela no lado mais comprido, foram suas plataformas de ensaio para as grandes composições que vieram depois, além de sintetizar os elementos de cada nova fase em sua obra plástica.
Na superfície, esses 70 quadros minúsculos, agora juntos numa retrospectiva do artista no Museu de Arte Moderna, parecem miniaturas daquilo que fez de Volpi, nas palavras do crítico Mário Pedrosa, o "mestre brasileiro de sua época" –estão lá as janelas, portas e arcadas estilizadas das casinhas de São Paulo, Mogi e Itanhaém e as bandeirinhas de festa que ao longo das décadas viraram símbolo incontestável de seu trabalho.
Mas essas telas, pelo tamanho tímido, exigem um olhar mais de perto. E, a um palmo delas, o olho passa a recalcular e rever impressões sobre a poesia concreta desse artista, que morreu aos 92, em 1988.
Isso porque seus esboços parecem mais soltos, menos apegados ao rigor das telas maiores, arquitetadas a partir desse primeiro desenho. "Há uma espontaneidade nessas telas", diz Aracy Amaral, que organiza a mostra. "Elas retêm um frescor."
Não que as versões maiores desses pequenos formatos fossem ampliações esquemáticas. Volpi gostava de pintar de memória, ou seja, não seguia à risca esses estudos na hora de criar um quadro maior, embora tentasse traduzir aqueles elementos para outra escala.
Mesmo os estudos vistos lado a lado na mostra deixam claro como um serviu de base para o próximo –verdadeiras variações sobre um tema.
Nesse sentido, essas telas, todas da coleção do engenheiro Ladi Biezus, um dos maiores conhecedores de Volpi, são uma espécie de matriz ou base visual de todo o projeto plástico do artista.
Talvez por isso as obras na mostra, criadas ao longo de sete décadas, dos anos 1920 aos 1980, estejam em ordem cronológica. É nítida a evolução de seu trabalho, das paisagens em estilo impressionista de início de carreira ao que se chamou depois de construtivismo cromático –as telas de bandeirinhas em que esse geometrismo beira a abstração, lembrando formas puras flutuando num plano.
PESO E LEVEZA
Volpi, no entanto, não chegou a se enquadrar em nenhuma vanguarda da época. Mesmo sofrendo influência nítida dos concretistas, algo que ficou mais pronunciado desde que abandonou por completo as figuras humanas em suas pinturas, o artista nunca se desprendeu do real –suas bandeirinhas ou traços arquitetônicos estão sempre ali como um índice do peso ou da leveza do mundo.
"É uma arquitetura descarnada, emagrecida, aquilo que ficou no imaginário dele", diz Amaral. "O Volpi não era um intelectual, a cultura dele era visual. Ele se contamina pelo concretismo, mas guarda a composição na memória."
Ele também não se esquece de fases anteriores de sua obra, retomando elementos dos primórdios décadas à frente. É o caso da cor, que desponta com força total primeiro nos anos 1940 para ressurgir mais tarde, depois de uma fase sombria, já quase nos anos 1970.
Na mesma época, o desenho, pelo menos nos retratos que criou, voltou a ter certa presença, mesmo que num exercício em paralelo à pintura. São rostos delicados, estilizados, que lembram a tal arquitetura "descarnada" das fachadas de suas casas ou as silhuetas das bandeirinhas.
Nesse ponto, Volpi parece sempre se render à alegria, dedicando seus últimos anos à construção de suas telas mais vibrantes. Seu talento de colorista não deixa esquecer que a vida pode ser uma festa.
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