Em novos discos, geração da Lapa carioca tira samba do pedestal
Na virada dos anos 1990 para os 2000, quem entrava nas casas de samba da Lapa carioca via sempre a seguinte cena: jovens brancos interpretando, quase em êxtase, composições feitas décadas antes por sambistas negros.
Hoje, essa geração que sacudiu o panorama do samba no Rio admite que era reverente demais ao passado, tão fascinada que estava pela tradição que descobria.
Seus representantes, cada qual à sua maneira, vêm sacudindo a própria poeira. A postura se reforça com os novos CDs do Casuarina e do cantor Pedro Miranda.
A atitude do Casuarina é mais explícita. O CD se chama "7" por ser o sétimo lançado, mas também porque o quinteto está agora acompanhado de contrabaixo e piano.
Daryan Dornelles/Divulgação | ||
O sambista carioca Pedro Miranda, que lança 'Samba Original' |
E o samba é apenas um dos gêneros do repertório, todo ele inédito e tendo entre os autores os músicos do grupo (Daniel Montes, Gabriel Azevedo, João Cavalcanti, João Fernando e Rafael Freire).
Há, por exemplo, a canção de fossa "Eu Já Posso me Chamar Saudade" (João Cavalcanti / Moacyr Luz), com participação de Maria Rita, e a multifacetada "Ambidestra" (Daniel Montes / João Cavalcanti), com letra na voz feminina.
"Só agora, aos 15 anos de carreira, é que estamos com a sensação plena de liberdade artística. Já nos desfizemos de grilos, de pudores", diz Cavalcanti, cantor e percussionista.
Mas é significativo que, após 12 faixas com muitas invenções, a última professe que "Queira ou não queira / O samba é meu lugar".
"Somos um grupo de samba e seremos sempre", afirma Cavalcanti. "Mas não sou de escola de samba, não uso chapéu-panamá ou sapato bicolor, não vivi na Lapa dos anos 1930. Nossos arranjos vocais vêm dos Anjos do Inferno, mas também dos Beach Boys, do Police. O samba, no século passado, deu voz a um povo sem voz. Não faz sentido, hoje, botá-lo num pedestal, intocável. Censura e tabu não combinam com a sua história."
Gabriel Azevedo, também cantor e percussionista, conta que o passo inicial da turma da Lapa foi mergulhar no baú da música brasileira pré-bossa nova.
"Agora, estamos à vontade para fazer o que a gente entende como samba", diz.
O à vontade de Pedro Miranda em "Samba Original" é mais sutil, como já sugere o ambivalente título do CD, retirado da primeira faixa, a composição homônima de Elton Medeiros e Zé Keti. É original por ter relação com as origens e, também, por ser novo.
A liberdade para lidar com a tradição fica clara na segunda faixa: as guitarras de Arto Lindsay e Pedro Sá abrem o samba-batucada "Batuca no Chão", a única parceria de Assis Valente e Ataulfo Alves.
"Eu estou, na verdade, voltando às minhas origens", destaca Miranda, que fez parte do pioneiro Grupo Semente, criado na Lapa em 1998, com a cantora Teresa Cristina à frente.
"Fiquei tão apaixonado pela tradição do samba que, mesmo morando na Gávea e tendo crescido em Copacabana, não queria saber de zona sul, só de subúrbio. Acabei me afastando de amigos como Moreno [Veloso], Domenico [Lancellotti] e Pedro Sá."
Os três participam do novo CD. Fã do primeiro disco solo de Miranda, "Coisa com Coisa" (2006), Moreno o apresentou ao pai, Caetano Veloso. Este escreveu o release do segundo CD, "Pimenteira" (2009), e agora divide os vocais em "A Razão Dá-se a Quem Tem" (Noel Rosa / Ismael Silva/ Francisco Alves), evocando a dupla Francisco Alves e Mario Reis.
"O 'Samba Original' é um espelho do 'Pimenteira'", diz o cantor carioca. "No outro só havia sambas inéditos, mas eu não deixei o Luís Filipe [de Lima, produtor] ousar nos arranjos, fiquei freando. Agora, gravamos sambas antigos sem autocensura, dialogando mais com o presente."
Pouco convencionais são a guitarra de Pedro Sá e os efeitos de Lancellotti em "Garota dos Discos" (Wilson Batista / Afonso Teixeira); as cordas em "Imitação" (Batatinha); e mesmo a inclusão de um delicado choro num disco de samba, "Santo Amaro" (Franklin da Flauta, Luiz Claudio Ramos e Aldir Blanc), com acompanhamento apenas do piano de Carlos Fuchs.
O repertório tem nomes célebres do samba, além dos já citados: Roberto Martins e Antônio Almeida ("Amanhã Eu Volto"); Wilson Moreira e Nei Lopes ("Quero Você"); Geraldo Babão e Roberto Mendes ("Lola Crioula"), Baiaco e Ventura ("Se Passar da Hora"); Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro ("Samba de Dois-Dois"). E até Luiz Gonzaga, assinando "Meu Pandeiro".
"Escolhi essas músicas porque me identifico com elas, não por causa da reverência ao passado que tínhamos na Lapa. Estamos mais livres", diz Miranda, que buscou uma sonoridade para cada faixa. "Gosto de um CD heterogêneo, como se a gente estivesse ouvindo rádio."
7
ARTISTA Casuarina
GRAVADORA Independente
QUANTO R$ 30
SAMBA ORIGINAL
ARTISTA Pedro Miranda
GRAVADORA Independente
QUANTO R$ 28
Livraria da Folha
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