Comédia com Russell Crowe resgata o espírito dos filmes da 'Sessão da Tarde'
Russell Crowe não é exatamente conhecido por ser um cara legal, como sugere o título de seu novo filme, "Dois Caras Legais", comédia que estreia nesta quinta (21). Feito um gladiador, o ator já socou um rival em restaurante londrino, já ameaçou diretor de TV que editou a transmissão de um discurso seu e insultou repórteres outras tantas vezes.
"Ser legal não é algo que acho importante. Eu suspeito quando alguém é legal. Gosto mais dos que são sinceros, diretos", diz ele com a cara fechada, em parte encoberta pelos óculos escuros estilo aviador, uma polo preta apertada, entre uma baforada e outra nos dois cigarros que arderam durante entrevista num cinco estrelas da Riviera Francesa.
Daniel McFadden/Warner Bros | ||
Ryan Gosling e Russell Crowe em 'Dois Caras Legais' |
Em Cannes para apresentar seu novo filme, Crowe atribuiu a má-fama a "situações como essas, em que estou cercado de jornalistas". "Já me descreveram como uma pantera no sofá, pronta para atacar", diz à Folha, agora fazendo voz vilanesca e contraindo os dedos feito garras. "Que se danem", afirma e cai na gargalhada.
O tipo que ele interpreta em "Dois Caras" é mais um brucutu em seu currículo: Jackson Healy, sujeito que aplica surras sob encomenda enquanto perambula sob o neon da Los Angeles de 1977.
O outro cara legal do título é o incompetente detetive particular Holland March (Ryan Gosling). Os dois têm de unir forças ao descobrirem que por trás do sumiço de uma garota existe uma rede que envolve atiradores, magnatas da indústria automobilística e os bastidores da produção pornô, que floresceu em fins da década de 1970.
Os protagonistas são tipos cômicos –raros papéis engraçados de dois atores marcados por personagens sisudos.
Enquanto Crowe se fez famoso com heróis durões em blockbusters que vão de "Gladiador" (2000), pelo qual venceu um Oscar, a Noé" (2014), Gosling se notabilizou por papéis mais sérios: do professor drogado de "Half Nelson" (2006) ao motorista calado e sem nome de "Drive" (2011).
No novo filme, o ar carrancudo e as tiradas sarcásticas do primeiro servem de escada às trapalhadas do segundo, que se atira na comédia física com caretas e tiques pastelões.
"Há sempre algo de cômico nos meus filmes, até nos mais densos", diz Crowe. "Mesmo em 'Gladiador', meu personagem fazia troça com os outros escravos. Até em 'Uma Mente Brilhante' se ri por certo momento. Eu sei bem o poder da boa piada."
Apesar do humor, "Dois Caras Legais" é uma comédia adulta e até machista –cheia de palavrões, cigarros, socos e seios à mostra–, uma homenagem nostálgica aos filmes com espírito "Sessão da Tarde", aqueles protagonizados por "uma dupla do barulho".
Para Gosling, é um filme que subverte o gênero da comédia, "porque tem um pano de fundo sério", disse na coletiva de imprensa realizada na véspera –ele não concedeu entrevista porque teve de voar de volta para os EUA.
MASCULINIDADE
Não à toa, é obra que saiu da cabeça do diretor americano Shane Black, criador da bem-sucedida tetralogia "Máquina Mortífera" (1987-1998), um dos exemplares mais conhecidos dos chamados "buddy movies" –algo como "filmes de parceiros", gênero que extrai a graça do contraste entre os protagonistas.
No caso de "Dois Caras Legais", o choque se dá já no primeiro encontro entre os dois personagens –um tremendo soco desferido pelo brutamontes vivido por Crowe no desastrado detetive de Gosling.
O diretor afirma que ambientou o filme na extravagante década de 1970 por ser a época ideal para servir a uma história "malandra" de detetives, "era em que o glamour ainda imperava, mas começava a entrar em decadência".
Para a dupla de protagonistas, Black diz que quis atores que "exalassem masculinidade até quando tomam café". "Não queria surfistas, cheios de gírias, mas gente com aura da velha guarda, já que o filme tem esse quê de Scorsese, cheio de tipos que usam ternos sujos e gravatas frouxas."
"Queríamos atores sérios", diz o produtor Joel Silver, famoso por reinventar o gênero dos filmes de ação nos anos 1980 –é dele "Duro de Matar".
Black e Silver, que voltarão a se unir em uma nova versão de "O Predador" (1987), não descartam uma continuação para "Dois Caras Legais", ambientada nos anos 1980. Embora o desempenho nas bilheterias não tenha sido espetacular –estreou em quarto lugar nos EUA–, o longa foi saudado como um retorno ao espírito de "Máquina Mortífera".
Crowe disse que estava apreensivo em apresentar o filme em Cannes. "Nunca se sabe qual vai ser a temperatura do festival. Aí o filme começou e veio a trilha sonora", diz, e emula as batidas de "Papa Was a Rollin' Stone", que abre o longa. "Aí ficou legal."
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