CRÍTICA MÚSICA ERUDITA
Wispelwey não só conquista o público, mas o transforma
Lewis Arnold/Divulgação | ||
O violoncelista Pieter Wispelwey |
Um banquinho, um violoncelo. Eram 23h35 quando Pieter Wispelwey, 53, terminou o bis, o mesmo "Prelúdio" da "Suíte n.1" em sol maior de Bach (1685-1750) que havia iniciado o espetáculo às 20h30.
O recital solo do músico holandês na quinta-feira (21) na Sala São Paulo era aguardado como atração especial da programação do Festival de Inverno de Campos do Jordão.
Ele apresentou na ordem —e com as repetições previstas— todas as seis suítes, cada uma com os seus seis movimentos. Houve um intervalo de 20 minutos após a terceira e uma pausa de dez minutos antes da última. Não disse uma palavra: só o cello soou.
A ideia em si já poderia parecer loucura. A realização, mais ainda: menos incomum é programar as seis "Suítes" em dois dias, como fez recentemente Jean-Gihen Queyras.
Elas foram escritas em um período que pode ser considerado uma das mais importantes fases criativas de um artista em qualquer época, a saber, durante os seis anos (de 1717 a 23) em que Bach trabalhou na pequena cidade alemã de Köthen.
Sua obra marca o ápice de um momento em que a música aos poucos deixa de ser entendida apenas como parte das ciências naturais (quadrivium) e assume um lugar mais próximo à retórica e à gramática (trivium).
Uma das dificuldades está em deixar a música fluir na matemática dos intervalos e no tempo geométrico das danças e, ao mesmo tempo, articular um discurso próprio, pontuar, persuadir com ela. Wispelwey sabe equilibrar esse fino fio de um modo único.
Toca com leveza e volume. Seu som parece ter uma beleza adicional a ser degustada no final da projeção dos agudos. Genialmente concebidas, as articulações forjam sua dicção pessoal. Andamentos explosivos em "Courantes" e "Gigues" mantêm a elegância, e a plena calma de "Allemandes" e "Sarabandes" não abandona o caráter dançante.
Um bom músico conquista seu público, mas um artista como Wispelwey o transforma: a partir da "Suíte n.2" em ré menor, as tosses foram parando, não havia mais barulho de cadeiras. Jovens perderam o horário do ônibus. Deu para esquecer que existe celular.
GRAMMY LATINO
Mais cedo, na Sala do Coro lotada, tocou o duo formado pelo casal Franz e Débora Halász, ele violonista alemão, ela pianista brasileira.
Professores em Munique (Alemanha), a dupla ganhou o Grammy Latino 2015 com o CD "Alma Brasileira", dedicado a Radamés Gnattali (1906-88). Tocam com energia, o som é brilhante e expansivo.
A combinação violão-piano não é de fácil equilíbrio, e as peças de Carulli (1770-1841) e Gnattali que abriram e fecharam o programa são as que melhor funcionam, especialmente a "Sonatina n.2".
Os solos também foram muito bons. Franz —especialista na música do século 20— fez uma avassaladora "Sevillana" de Joaquín Turina (1882-1949), compositor de quem gravou a obra completa. E, com o "Moto Contínuo", Débora mostrou que a música para piano de Gnattali pode ser também o ponto de encontro entre Camargo Guarnieri (1907-93) e Béla Bartók (1881-45).
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