CRÍTICA
'As Luzes do Ocaso' acerta ao equilibrar humor e clima noir
Já no seu título, "As Luzes do Ocaso" sugere uma analogia com dois filmes clássicos sobre o tema da decadência de um artista famoso: "Crepúsculo dos Deuses" (1950), de Billy Wilder, e "Luzes da Ribalta" (1952), de Chaplin.
Na peça, o ocaso não é de um palhaço de teatro ou de uma diva do cinema mudo, mas de uma ex-estrela do teatro de revista, gênero que nos anos 1940 e 50 atingiu seu ápice no Brasil, com sua mescla de sátira de costumes, números musicais e a sensualidade arrebatadora das "vedetes".
Sem se deter na biografia de uma delas, a grande atuação de Magali Biff, com sua personagem Lanuza Meier, as homenageia a todas. Para tanto, conta com a expertise da diretora Neyde Veneziano, especialista no teatro de revista. Simultaneamente à peça, Veneziano lança o documentário "Mamãe, Quero Ser Vedete", que traz entrevistas com algumas dessas atrizes.
Priscila Prade/Divulgação | ||
Giovani Tozi e Magali Biff em cena de "As Luzes do Ocaso" |
O termo vedete, como explica o didático programa do espetáculo, remete a um estar no alto, como os nomes do ator e da atriz selecionado para aparecer acima do resto do elenco nos cartazes. "Ocaso", ao contrário, é queda.
É esse o dilema existencial que marca a situação de Lanuza: a idade chega com a angústia de despencar no anonimato após ter sido uma "personalidade". Ela não tem como se iludir com os atuais eufemismos, do tipo chamar a velhice de "a melhor idade". Prefere, porém, se anestesiar com as fantasias que a cercam no casarão em que vive, reclusa, no litoral do sul do país. Lanuza tem a companhia apenas de um misterioso mordomo (Paulo Goulart Filho).
A cenografia acentua sua introspecção delirante, e a recusa do mundo exterior, ao retratar o espaço doméstico como um jogo de espelhos, misturados às joias, roupas e plumas com que ela tenta sustentar o status de estrela imortal, a máscara de que depende seu senso de identidade, como o alferes do conto "O Espelho", de Machado de Assis.
Sua rotina será quebrada pela visita inesperada de um jovem escritor (Giovani Tozi), filho de um fã de Lanuza e interessado nas suas histórias que do teatro de revista.
É o gatilho para sermos transportados àquela atmosfera de glamour, gracinhas sexuais ("Deu para ter sucesso?") e marchinhas como "Sassaricando". E para que venham à tona dolorosos segredos de Lanuza, que podem ter relação com o seu exílio.
Essa alquimia entre a leveza e o riso do universo da revista, como pano de fundo, e o clima noir de um filme de suspense, por outro, é um dos grandes méritos do instigante texto de Mauricio Guilherme. É, no linguajar passadista de Lanuza, um dos segredos do "borogodó" da peça, que vale a pena conferir.
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