Fantasma de Borges 'aparece' em debate com Manguel e Robert Darnton
O fantasma do escritor argentino Jorge Luis Borges apareceu, na noite desta terça-feira (30), em uma mesa com o historiador Robert Darnton e o ensaísta Alberto Manguel, e acompanhou a reunião dos dois intelectuais.
Não, não era uma mesa espírita nem a aparição é literal, para tristeza dos fãs do autor. Os dois se reuniram para o debate, no Sesc Vila Mariana, que deu início à série de encontros em homenagem aos 30 anos da Companhia das Letras.
Com mediação do jornalista, escritor e crítico literário Sérgio Rodrigues, a dupla discutiu suas obras, que se destacam pelas reflexões sobre o universo do livro — tanto do ponto de vista concreto (o que muda com o livro digital?) quanto do abstrato (uma biblioteca infinita será um pesadelo?).
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Alberto Manguel na Feira do Livro de Buenos Aires, em abril |
Como não poderia deixar de ser com um assunto desses, parte importante do debate foi pautado pelas abstrações desenvolvidas na obra de Borges. Não só por ser o argentino autor do conto "A Biblioteca de Babel", mas também pelas reflexões feitas por ele sobre a memória, a literatura e o conhecimento.
Questionado por Darnton se a biblioteca sonhada pelo escritor era um pesadelo, Manguel concordou.
"Com certeza é um pesadelo. A biblioteca que não contém tudo é a biblioteca que não contém nada", afirmou o argentino.
Ele lembrou que, no conto, Borges conta que há o catálogo da biblioteca infinita — mas com milhares de catálogos falsos e também os que provam a mentira dos catálogos falsos e ainda os que questionam o catálogo verdadeiro.
Manguel afirmou também que o pesadelo dos livros em número infinito é antigo e já estava descrito no "Eclesiastes", um dos livros do Velho Testamento. Para ele, esse cenário se assemelha à internet.
Vale lembrar que Manguel, que na juventude lia para Borges depois que o autor ficou cego, dirige a Biblioteca Nacional Argentina. E Darnton é diretor da biblioteca da Universidade de Harvard.
Aos discutirem a forma de organizar tanto conhecimento, Darnton fez uma crítica ao mecanismo de busca do Google.
"Eles têm o ranking de relevância. Isso é terrível, é uma forma de vulgarização, uma ameaça à livre circulação de ideias", afirmou o historiador.
Mais à frente, quando discutiam a digitalização de informações, Darnton defendeu que a pesquisa em arquivos —ferramenta crucial em seu trabalho— mostra ter o homem acesso à "fração da fração da fração" da informação que existe.
Darnton e Manguel questionavam um ao outro, por vezes gerando um embate bem humorado de ideias e arrancando risos da plateia.
Borges voltou à cena quando o historiador questionou por que o argentino defendia a necessidade de haver uma biografia do autor.
"Até agora ele não teve uma biografia intelectual. Os livros são análises psicológicas ou [reuniões] de episódios da sua vida sexual ou visão política. Isso pode ser interessante com outros autores, mas no caso dele afasta [os leitores] de sua literatura", disse Manguel.
Ele contou ainda sua relação com Borges e deu uma descrição engraçada do escritor: parecia fantasmagórico. Dava o aperto de mão mais fraco. A voz tremia "quase que deliberadamente".
CENSURA
Manguel acaba de lançar no Brasil "Uma História Natural da Curiosidade"; Darnton, "Censores em Ação".
A discussão em torno do livro do historiador americano sobre três momentos históricos em que a censura restringiu a expressão literária foi outro ponto alto.
Questionado pelo mediador se a censura não seria, de certa forma, "uma homenagem" ao poder da literatura, Darnton afirmou que ela pode sim enriquecer a produção literária.
"Ela faz os leitores lerem as entrelinhas", disse. "Mas devemos ter censura de novo? Não! Temos simpatias pelas vítimas [dela], mas a maioria não conhecemos, porque elas morreram."
Ele arrancou risos da plateia ao contar sua pesquisa sobre o censores franceses do século 18 e descrevê-los como críticos literários.
"Fiquei fascinado com os memorandos da censura. Eles nunca diziam que um livro ofendia a igreja. Diziam 'É muito mal escrito, o estilo é terrível, devemos rejeitá-lo'".
Os encontros de 30 anos da Companhia das Letras seguem até outubro e reunirão autores como Mia Couto, Ian McEwan e David Grossman.
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