Crítica
Em livro palatável Daniel Galera se firma como retratista de geração
O gaúcho Daniel Galera, 37, é muitas vezes associado aos romances de geração. O comentário é pertinente. O autor usa como poucos o recurso de juntar retratos fragmentados de vários personagens para compor o registro de um grupo de amigos.
"Meia-Noite e Vinte", seu novo romance, mostra que ele ainda tem muito a transmitir com esse formato.
Pode não ter o frescor juvenil de "Até o Dia em que o Cão Morreu" (2003) ou o ritmo impiedoso de seu livro anterior, "Barba Ensopada de Sangue" (2012), mas talvez seja sua obra mais fluida e palatável.
Divulgação | ||
O gaúcho Daniel Galera, que lança romance |
Os anos recentes de conturbação política, notadamente a partir das manifestações de 2013, pareciam render bons trabalhos documentais, jornalísticos, mas sem que surgisse uma obra de ficção na qual inserir os conflitos e suas consequências.
O livro de Galera se joga nessa lacuna, falando de um grupo de amigos que, há quase 20 anos, trabalhou junto num projeto literário independente, o Orangotango. Hoje, daquela turma há quem tenha se dado bem financeiramente, publicitário de sucesso, e quem ainda viva incertezas e sonhos não realizados. Acima de todos paira a figura central do romance, Andrei Dukelsky, o Duque.
Reconhecido pelos colegas como o mais talentoso da turma, numa genialidade diretamente proporcional a uma certa inabilidade social, ele é morto a tiros por um ladrão numa rua de Porto Alegre.
Duque é um protagonista "torto", que revive nas lembranças dos amigos e aparece para o leitor em pedaços de um quebra-cabeças. Numa multiplicidade de vozes.
Galera muda o narrador várias vezes, e o faz sem se preocupar em deixar claro logo de cara para o leitor quem é que está na função.
Além de um exercício lúdico, o rodízio na narrativa é também uma amostra das diferenças de discurso alcançadas pelo autor.
Meia-noite e Vinte |
Daniel Galera |
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A alternância do gênero dos narradores, desafio nem sempre bem resolvido em obras assim, aqui é transmitido com sutilezas e boas sacadas. As vozes femininas do livro são muito críveis.
As diferenças entre os personagens-narradores pintam um quadro bem amplo das preocupações de jovens e nem tão jovens nos dias que seguem. Política, corrupção, violência urbana e mercado de trabalho cruel convivem com insatisfações pessoais, questões de gênero e a dúvida de como se relacionar com os pais depois que a rebeldia juvenil já não faz mais parte do repertório de trintões quase quarentões.
Talvez o melhor de "Meia-Noite e Vinte" seja encontrar, em seus personagens, um pouco de cada leitor.
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