'Vivemos um período grave', diz Eryk Rocha, diretor do filme 'Cinema Novo'
Tendo às suas costas a imagem projetada de Othon Bastos caracterizado como o cangaceiro Corisco em "Deus e o Diabo na Terra do Sol", o diretor Eryk Rocha abriu seu discurso no Festival de Cinema de Brasília com um "eternamente, fora, Temer".
Foi a deixa para que uma expressiva parte das mais de 600 pessoas que enchiam o Cine Brasília na noite de terça (20) aplaudisse e entoasse coros de "fora, Temer". Em sua 49ª edição, o festival brasiliense é o mais politizado entre as grandes mostras brasileiras de cinema.
Eryk apresentou o longa de abertura, "Cinema Novo", documentário que compila cenas do movimento que irrompeu no Brasil nos anos 1960 propondo filmes sobre a realidade brasileira e declarações desses diretores –entre eles Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Ruy Guerra, Paulo Cezar Saraceni e Glauber Rocha, pai do cineasta.
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Fernanda Montenegro em "A Falecida" (1965), de Leon Hirszman, retratado em "Cinema Novo" |
"É uma carta de amor a uma geração apaixonada pelo cinema e pelo Brasil", disse Eryk no palco. "Hoje tragicamente vivemos um período grave, com o golpe aparecendo de outras formas. Dedico a todas as pessoas que estão indignadas e estão resistindo".
No Festival de Cannes, onde o filme saiu com prêmio de melhor documentário, o diretor já havia protestado contra o então governo interino: "Nunca imaginei que estaria vivendo este momento e queria dizer que a história é feita de lutas, e a gente vai lutar", disse, em maio, na França.
Eryk faz uma colagem de cenas dos filmes do cinema novo à procura de uma possível identidade –ou oposição– entre as várias produções da época. Entrevistas feitas na época com os cineastas do movimento dão conta de narrar o que pensavam aqueles realizadores de câmera na mão e ideia na cabeça.
O diretor chega a reunir cenas até de diretores cuja filiação ao cinema novo é controversa: caso do carioca Domingos Oliveira ("Todas as Mulheres do Mundo"), mais tido como um contemporâneo do que um seguidor da estética, e do paulistano Walter Hugo Khouri ("Noite Vazia"), que fazia oposição àqueles cineastas.
Em seu depoimento, Cacá Diegues expõe o grande calcanhar do movimento: filmava-se os problemas do povo, mas o povo não ia aos cinemas ver aqueles filmes. O recrudescimento da ditadura militar só terminou por minar a cooperação entre diretores que "gostavam do filme uns dos outros não por serem amigos, mas que eram amigos porque gostavam uns dos filmes dos outros".
Antes de "Cinema Novo" foi exibido o curta "Improvável Encontro", de Lauro Escorel, obra que dialoga, na forma e no conteúdo, com o longa de Eryk. Escorel aborda a relação entre Thomaz Farkas (1924-2011) e José Medeiros (1921-1990), dois dos precursores do modernismo na fotografia brasileira.
O filme se constrói a partir de depoimentos dos dois fotógrafos. Húngaro criado em São Paulo, Farkas era metódico e rigoroso em seus enquadramentos; piauiense adotado pelo Rio, Medeiros era irreverente e espontâneo. A partir da improvável amizade entre os dois, o filme busca semelhanças tendo como base a comparação de suas fotografias.
O repórter GUILHERME GENESTRETI viajou a convite do festival
Livraria da Folha
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