Crítica
Personificação sonora é a força de orquestra alemã
Richard Strauss (1864-1949) amadureceu as sutilezas na caracterização das personagens de suas óperas –um exemplo é "Elektra" (1909), programada pelo Theatro Municipal para o próximo mês– em poemas sinfônicos como "Don Quixote" (1897).
Com regência de seu titular, Kent Nagano, a Orquestra Filarmônica de Hamburgo abriu com a obra o concerto, na Sala São Paulo, de segunda (26), parte da ótima temporada internacional Cultura Artística neste ano.
Felix Broede/Divulgação | ||
Kent Nagano, regente-titular da Orquestra Filarmônica de Hamburgo |
Na esteira do que ocorre nas óperas maduras de Richard Wagner (1813-83), Strauss concebe "motivos condutores" que, ao mesmo tempo, individualizam e acompanham as transformações de seus personagens.
No poema sinfônico, entretanto, não há texto nem teatro; as personagens são apenas as figuras sonoras, as notas de uma sinfonia que tenta em si abarcar a literatura.
Por isso, conhecer o célebre romance de Miguel de Cervantes (1547-1616) pode adicionar sentidos à composição que, aqui, narra apenas as aventuras de um violoncelo solista, uma viola, um bombardino, um oboé, e as inúmeras combinações instrumentais de um obsessivo motivo cromático interrompido por um salto de sexta.
A perfeição dessas combinações, ressaltada por Gautier Capuçon no cello e por Naomi Seiler (violista da orquestra) foi o ponto alto da regência de Nagano, que já havia feito na capital paulista um concerto memorável com a Sinfônica de Montreal em 2013.
SONORIDADE
O fato de a Filarmônica de Hamburgo ser também uma orquestra de ópera fortalece os elos de caracterização e condução da narrativa.
A sonoridade, por outro lado, pareceu às vezes um pouco abafada, como se faltasse brilho às cordas.
A segunda parte foi dedicada à "Sinfonia n. 1" de Johannes Brahms (1833-1897), um ilustre nativo da cidade de Hamburgo, cinco anos mais jovem do que a própria orquestra.
A "Primeira Sinfonia" é uma obra longa, complexa e muito conhecida.
Nagano fez o que fazem alguns dos melhores regentes: ressaltou as linhas internas (tão trabalhadas pelo compositor), o contraponto inversível, a cor das violas na textura e, principalmente, a conexão entre motivos ao longo dos movimentos –como os ecos da introdução do início no coral do finale.
Mas, mais uma vez, a sonoridade não chegava ao público com a espessura esperada. Seria falta de passagem de som no local? Teriam estranhado a sala?
O fato é que a projeção sonora tem os seus segredos, e são eles que tornam a experiência de ouvir a música ao vivo –ainda hoje– única e insubstituível.
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