Crítica
Agustina Bessa-Luís percorre o país em livro antiturístico
Em 1988, Agustina Bessa-Luís fez parte de um grupo de intelectuais portugueses em visita ao país. "Breviário do Brasil" é o resultado dessa viagem. Publicado em 1991, o livro ganha sua primeira edição brasileira, acrescida de outros textos sobre o país.
Um dos tópicos do relato é certo incômodo em relação ao misto de pacote turístico oficial e acolhimento solene que é oferecido a ela e a seus compatriotas.
"A parte mais interessante do Brasil não pode ser localizada por uma excursão de burgueses que se movem por admirações históricas", escreve Agustina e logo em seguida completa: "O Brasil e os seus mistérios do quotidiano não nos são oferecidos."
O texto é uma combinação de diário, ensaio e memórias.
Renato Stockler/Folhapress | ||
Agustina Bessa-Luís, autora de 'Breviário do Brasil' |
Se, na busca por interpretações sociologizantes, ela lança mão de impressões às vezes taxativas, nos deslocamentos narrativos, mostra sua força com inquietação e dinamismo típicos de um romance também de percurso como "Viagens na Minha Terra", de Almeida Garrett.
Com isso, escreve páginas que se autoquestionam sempre: "Não sei que livro escrevo nem o que dele esperam." E é assim que o olhar sobre as coisas se torna acurado.
Nessa trilha, outro elemento de destaque é a digressão. Embora o percurso siga de cidade em cidade, a prosa da viagem não é linear. Há retornos e saltos, porque são sentimentais suas referências.
A digressão possibilita a deriva memorialista. Em certas ocasiões, monta um retrato do pai que "viveu com aparato e grandeza, tinha punhos de oiro, ratinhos de oiro pousados num brilhante."
Mais à frente, ela nos deixa entender um pouco mais sobre o que se assenta sua relação com o país: "Meu pai adquiriu no Rio, onde viveu vinte e cinco ou mais anos, uma afecção de garganta de que nunca se curou."
É como uma antiturista que percorre alguns lugares. Acerca de Ouro Preto, por exemplo, ela anota não saber como uma "calçada de que se desce a prumo" poderia servir "aos passeios das musas."
Nesse sentido, muitas cenas que a viagem lhe proporciona estão cheias de humor.
Em Ilhéus, sobre o ar-condicionado do hotel, Agustina escreve: "Não sabemos se vai explodir quando o ligamos ou se vai deixar sair uma qualquer música de Offenbach."
O aparecimento de "Breviário do Brasil" poderia ser o início da publicação no país das obras ainda inéditas da autora que, em 2004, recebeu o Prêmio Camões. Aliás, já seria ótimo se ao menos "A Sibila" e "Vale Abraão" retornassem às livrarias do país.
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