crítica
Filipino é eficiente ao adotar forma documental em filme
Dá até um pouco de nervoso, no começo, tanto as situações de "Ma'Rosa" lembram uma grande cidade brasileira: falta troco no supermercado, o táxi se recusa a levar a cliente aonde ela precisa ir. Ma'Rosa é uma senhora gorda, com chinelos de dedo, dona de uma vendinha numa favela (ou algo assim).
Com o tempo o nervoso diminui, vira um pouco de vergonha: nos conformamos à ideia de que as Filipinas são mesmo meio parecidas com o Brasil —ao menos no que diz respeito à pobreza nas grandes cidades.
Se não é, parece que é, pois a mise-en-scène de Brillante Mendoza em tudo e por tudo faz lembrar um documentário, desde o uso quase permanente da câmera na mão —uma câmera ágil, nervosa, por vezes incômoda, capaz de perder o foco e depois recuperá-lo- até a interpretação, em que tudo soa natural.
Divulgação | ||
A atriz Jaclyn Jose, que recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes, em cena de 'Ma'Rosa' |
A história de Ma'Rosa também não é tão distante, aliás, do que acontece aqui no Brasil: ela tem uma venda que, além da função convencional, serve como ponto de drogas. Um pequeno comércio nesse próspero ramo, diga-se, o que não impede a polícia de invadir o local e prender Ma'Rosa e seu marido.
O crime de tráfico de entorpecentes nas Filipinas é, como se sabe, considerado gravíssimo. Donde decorre uma corrupção policial de iguais proporções. É em torno dessa corrupção, no caso sob a forma de extorsão (pague tanto para que eu te livre a cara), que gira o filme em boa medida. Também aqui não estamos assim tão longe do modo de funcionamento da polícia entre nós.
Mais genericamente, temos aqui um filme sobre modos de vida e sobrevivência da pobreza. Da opressão mais ou menos permanente pelas forças da ordem à troca de favores como forma de superar as dificuldades do cotidiano (sem falar das traições e desentendimentos) —não há cena no filme que se passe em Manilla e não se aplique a São Paulo (ou provavelmente a qualquer grande cidade do Terceiro Mundo).
Certo, não se trata de assunto inédito no Brasil. No entanto, é preciso notar que Mendoza trabalha muito bem os elementos que tem em mãos.
Primeiro, em termos de roteiro, não congestiona a ação com elementos contingentes: centra fogo em uma família, em um caso particular. Segundo, adota a forma documental como recurso para nos levar ao interior da vida de cada um dos envolvidos, e nisso é muito eficiente. Por fim, o uso da câmera na mão serve para reforçar a completa transparência a que o filme aspira.
Se lembra bastante algum cinema brasileiro com características semelhantes, ressalte-se que a câmera de Mendoza não sai a perseguir personagens enlouquecidamente: apenas finge que o faz, de tempos em tempos.
A força do filme não vem da originalidade, mas de uma execução precisa. Do desejo de mostrar um ponto de vista sobre uma situação e de revelá-la pertinente. Será difícil dizer que Mendoza não chegou a isso.
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