Crítica
'A Casa à Beira do Abismo' é terror bem feito com ciência e mitologia
Não se fazem mais romances como "A Casa à Beira do Abismo", do britânico William Hope Hodgson (1877-1918). À primeira vista, a afirmação é um truísmo -é lógico que ninguém mais escreve como se escrevia em 1908-, mas também pode ser um jeito de tentar expressar até onde chega a esquisitice desajeitada e aterradora que caracteriza os mundos de Hodgson.
"Walking Dead" é para adolescentes e/ou principiantes: se o leitor procura horror de verdade, do tipo que deixa o sujeito suando na cama, sem conseguir dormir, basta abrir esse livro.
Arquivo Pessoal | ||
O escritor inglês Hope Hodgson (1877 - 1918) |
O porquê desse efeito portentoso não é muito fácil de explicar. A história começa, como tantas outras narrativas fantásticas que se tornaram célebres, com a suposta descoberta de um manuscrito -no caso, feita por uma dupla de amigos que combinou uma pescaria num lugarejo remoto da Irlanda. Ao explorar a região, eles topam com um estranho rio subterrâneo, com as ruínas de uma construção (o "abismo" e a "casa" do título, respectivamente) e com o tal manuscrito, preso entre os escombros.
A partir daí, o texto reproduz o que seriam os relatos deixados pelo último morador da casa, um idoso recluso (cujo nome nunca é mencionado). Uma mistura de experiências aparentemente reais e de visões que transcendem os limites do espaço e do tempo acabam conduzindo a antiga casa e seus habitantes à ruína.
UNIVERSO INÓSPITO
É tentador enxergar reflexos das revoluções científicas do fim do século 19 e do começo do século 20 no retrato nada aconchegante do Universo que Hodgson pinta.
Descobertas como a teoria da evolução tinham posto fim à ideia de que o Cosmos era dominado por uma ordem imutável e benigna, estabelecida por Deus. Por outro lado, ganhava força a ideia de que a entropia (grosso modo, o aumento da desordem nos sistemas físicos) inexoravelmente levaria à lenta morte do Sistema Solar e do Universo como um todo.
As experiências visionárias do morador da casa representam, em certa medida, o temor de que essa nova visão do Universo signifique a total irrelevância do ser humano. Versões bizarras de sóis, estrelas e nebulosas são elementos importantes nessas visões. Ao mesmo tempo, porém, tais aspectos científicos são fundidos aos elementos mais assustadores de antigas mitologias.
As ilustrações criadas por Joaquim de Almeida para a edição brasileira do romance, por sua vez, geram uma interessante dissonância em relação ao texto. Não refletem de perto a linguagem formal e estranhamente distanciada do narrador, apresentando uma crueza típica de certos quadrinhos adultos. O terror gerado pelo conjunto texto-imagens decerto é maior do que a simples soma das partes.
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