CRÍTICA
'Paraíso' traz horror do nazismo ao cinema com estética ambígua
É difícil saber com quem se lida quando o cineasta em questão é Andrei Konchalóvskii. O russo é capaz de trafegar entre seu país e os EUA, voltar à Europa e novamente à Rússia. Pode fazer filmes "de mercado" ou "de prestígio". É raro que não se mostre competente. E também raro que deixe uma marca pessoal em seus filmes.
Pois bem, essa marca está bem presente em "Paraíso". Resta saber se é para o melhor ou para o pior. E não é fácil separar uma coisa da outra, ainda que o filme tenha ganho o prêmio de melhor direção em Veneza 2016.
Existe, para começar, um princípio narrativo interessante: cada uma das três personagens centrais expõe seus motivos e, de certa forma, assume a narração do filme.
Assim, somos introduzidos à trama que envolve, basicamente, Olga, condessa russa exilada na França, Jules, policial francês colaboracionista, e Helmut, oficial alemão da SS. Estamos, claro, na Segunda Guerra. Por causa disso, Olga é presa, em Paris, mas consegue se safar, no entanto, com a promessa de prestar favores sexuais a Jules.
Divulgação | ||
Cena de 'Paraíso', filme do cineasta russo Andrei Konchalóvskii |
Isso não acontecerá –quem for ver o filme saberá por quê. Ela acabará em um campo de concentração.
Já estamos no momento crítico da guerra. A força alemã começa a fazer água. A corrupção corre solta nos campos. E o diligente SS Helmut é encarregado de ocupar-se de um deles.
Helmut é um aristocrata, como Olga, mas também um idealista que acredita que o nazismo represente a construção do paraíso germânico. Trata-se de um honesto cidadão, e não do nazista tarado que o cinema em geral nos representa. (Pontos para Konchalóvskii, então.) Nem por isso Helmut resistirá aos encantos da bela Olga.
Aqui o filme se torna tremendamente ambíguo, ao menos esteticamente: Konchalóvskii nos introduz aos horrores dos campos de extermínio. E nem ao menos o faz radicalmente (quer dizer, não produz um horror que nos impeça de comprar ingresso e ver o filme).
É uma questão de gosto: conhecemos o horror dos campos pelas descrições de, por exemplo, Primo Levi. Mas a literatura é, por natureza, abstrata. Não suportaríamos a visão dos horrores descritos pelo autor italiano.
Simultaneamente, o cineasta russo produz momentos muito bons quando mostra o funcionamento dos escritórios do campo ou mesmo a residência de Helmut.
Nessas ocasiões é que mais experimentamos o horror do nazismo (uma prova a mais de que a "reabertura" dos campos pelo cinema, como definiu Godard, é nociva ao conhecimento e só serve para engordar bilheterias). Eles se alternam com momentos estranhos, estapafúrdios.
Até então podia-se acreditar que, de algum modo, o cineasta tratava do fim do paraíso europeu, com o conflito iniciado em 1939 detonando todas as utopias. A partir desse momento pode-se pensar que Konchalóvskii nos fala de maneiras de entrar no paraíso mesmo, o celeste.
Daí por diante fica mais difícil entender o que move Konchalóvskii. Mas não parece, em princípio, muito interessante.
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