Roteiro adaptado: Vida dos afro-americanos dominam categoria
Retratos da vida dos norte-americanos negros – ou, em ainda mais detalhe, da vida de mulheres negras na aurora da luta pelos direitos civis, ou da de um jovem gay crescendo numa espécie de gueto tropical – predominam na categoria de roteiro adaptado.
Por decorrência, o tema da tolerância também está nos filmes concorrentes – até mesmo no representante da ficção científica, onde o outro que ameaça pela diferença não é negro, mas vem do espaço.
A exceção que confirma a regra é "Lion", que cumpre, ao lado de "Estrelas Além do Tempo", a indefectível cota de "histórias verídicas" nesta categoria.
Jan Thijs/Divulgação | ||
Amy Adams é Louise Banks, que tem de desvendar um idioma alienígena no filme de Denis Villeneuve |
"A Chegada"
O escritor americano Ted Chiang, autor do conto "História da Sua Vida", em que se baseia "A Chegada", disse à Folha que a adaptação para o filme "é um milagre". O escritor tem razão. Seu conto é interessante, mas o que o roteiro de Eric Heisserer faz é expandir possibilidades apenas sugeridas pelo texto original. Poderia ser um problema ter um roteirista especializado em filmes de terror como "A Hora do Pesadelo" (2010) a cargo de uma trama bastante intelectualizada em que os alienígenas não são seres terríveis. Mas a maneira como Heisserer injetou no roteiro questões sobre como experimentamos o tempo, apenas delineadas no conto, é delicada e comovente. Mereceria levar, mas a concorrência é braba.
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Divulgação | ||
Denzel Washington e Viola Davis estão em 'Um Limite Entre Nós', que leva às telas a peça 'Fences' |
"Um Limite Entre Nós"
Por que, por que este filme concorre na categoria de roteiro adaptado? Simplesmente fica difícil entender em que consistiu a adaptação. O roteiro é literalmente o texto da peça de August Wilson (1945-2005), que leva o crédito da "adaptação". O original de "Fences" (cercas) é um belo texto, que trata da vida dos negros nos EUA, tema de toda a vida de Wilson e que deu ao dramaturgo o Pulitzer e o Tony em 1987. No entanto, não é demais lembrar, filme não é só roteiro, e roteiro não é só texto. No entanto tem grandes chances na corrida, em especial neste ano, em que o Oscar decididamente abraçou a sempre viva, e recentemente mais ainda, questão racial.
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Janelle Monáe, Taraji P. Henson e Octavia Spencer fazem o trio de calculistas de 'Estrelas Além do Tempo' |
"Estrelas Além do Tempo"
A trama que conta os percalços e conquistas de três mulheres negras buscando seu lugar na Nasa em plena corrida espacial é o epítome do "filme de roteiro". Sua história é tão envolvente – pois é impossível não torcer para que Katherine Goble Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe) consigam tudo que desejam e merecem – que é fácil ignorar a forma meio de telefilme. A trama é assim tão cativante porque a adaptação se permitiu liberdades com relação aos dados reais, como já explicitaram Salvador Nogueira e Marcelo Gleiser. Saber fazer condensações de épocas ou personagens para contar a história que se deseja contar é um aspecto essencial num roteiro adaptado. Com esse tema e essa esperteza, deve levar o Oscar.
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O ator Sunny Pawar interpreta o jovem Saroo em 'Lion: Uma Jornada Para Casa' |
"Lion - Uma Jornada para Casa"
Esta história real feita para fazer você chorar litros é, como afirmou o crítico Ricardo Calil, o típico "filme de Oscar". Luke Davies tinha um material digno da ficção mais inacreditável à mão, mas controlou mal o ritmo da narrativa, no esforço de condensar em duas horas 25 anos da vida de Saroo, desde que se perde na Índia, aos 5, até quando, adulto, vivendo na Austrália, resolve buscar sua família original. No livro original de Saroo Brierley fica claro que ele sempre se esforçou por se lembrar de suas origens –no que foi ajudado pela mãe adotiva, que buscou fazer o menino crescer em meio a referências da cultura indiana e anotou o que ele, sempre preocupado em não se esquecer, lhe contava. Esse aspecto some de forma inexplicável no filme, no qual o desejo por procurar o lar da infância se dá por uma revelação súbita de quão privilegiado ele foi em seu descaminho. Se para o efeito kleenex essa síntese pode ser mais eficaz, para a consistência do personagem é um erro.
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Divulgação | ||
Ashton Sanders vive Chiron, o personagem principal de "Moonlight", no capítulo da adolescência |
"Moonlight - Sob a Luz do Luar"
Eis um caso raro de peça que, levada ao cinema, não resulta em teatro filmado. O roteirista é o próprio dramaturgo, o jovem Tarell Alvin McCraney, que escreveu um texto baseado em sua própria vida em meio à comunidade negra de Miami. Sabia que parecia mais um filme do que uma peça e deixou guardado o texto que conta, em três capítulos, a infância solitária, a adolescência conturbada pela descoberta da sexualidade e o início da vida adulta de Little/Chiron/Black. A ausência de maniqueísmo enche a tela com personagens que parecem gente de verdade, fazendo com que o espectador se sinta próximo da história, narrada sem grandes volteios, neste belo filme.
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Veja a lista das outras categorias comentadas por profissionais, críticos e colaboradores da Folha.
Melhor filme, por Inácio Araujo
Melhor diretor, por Sergio Alpendre
Melhor animação, por Sandro Macedo
Melhor documentário, por Aline Pellegrini
Melhor documentário de curta-metragem, por Lívia Sampaio
Melhor roteiro original, por Francesca Angiolillo
Melhor ator, por Guilherme Genestreti
Melhor atriz, por Teté Ribeiro
Melhor ator coadjuvante, por Guilherme Genestreti
Melhor atriz coadjuvante, por Teté Ribeiro
Melhor fotografia, por Daigo Oliva
Melhor montagem, por Matheus Magenta
Melhor direção de arte, por Guilherme Genestreti
Melhor trilha sonora, por Alex Kidd
Melhor canção original, por Giuliana Vallone
Melhor figurino, por Pedro Diniz
Melhor maquiagem e penteado, por Anna Virginia Balloussier
Livraria da Folha
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