Com bonecos, grupo franco-brasileiro encena 'gritos' de incompreendidos
Para conceber "Gritos", espetáculo em cartaz em São Paulo, a dupla André Curti e Artur Luanda Ribeiro, da companhia Dos à Deux, criou réplicas de si mesmos em formato de bonecos -com colaboração da marionetista russa Natacha Belova e do brasileiro Bruno Dante.
Por quase duas semanas, restringiram-se a se sentar nas cadeiras de diretores e contemplar seus duplos por horas a fio, sem saber ao certo o que fariam deles.
O caminho se abriu quando decidiram desmembrar seus bonecos. Não num ato "macabro", lembra Artur, "mas algo totalmente poético e lúdico". Das partes, nasceram os personagens que compõem a peça, figuras marginalizadas, incompreendidas, em busca de sua identidade e da ternura dos outros.
"Nosso ponto de partida foi a palavra 'amor'. Estávamos sendo conduzido por pedaços de pessoas, por coisas que nos rasgam", diz Artur.
A narrativa é composta de três "gritos cênicos", como define a dupla. São três histórias que transitam pelos temas da peça, como a de Louise, uma transexual incompreendida e incumbida de cuidar da mãe doente; um homem que perde a cabeça e se vê separado dela por um muro; uma mulher cuja dança é interrompida pela violência.
"Fomos escultores mesmo em cena, trabalhando e improvisando", conta Artur.
Atores e diretores, Artur e André manipulam no palco as partes das marionetes, dando vida aos personagens somente com gestos, sem palavras.
O cenário (indicado ao Prêmio Shell, assim como a direção) é composto de molas de colchões, que tanto dão a ideia de labirinto quanto a de conforto. "É a metáfora dessa temática do amor", afirma o codiretor. "É um colchão, mas que não te acalenta mais, do qual foi tirada a espuma."
No espetáculo, os artistas exploraram muito a plasticidade da cena, aproximando-se, mais do que em outros trabalhos, da linguagem das artes plásticas. "É uma coisa [o aspecto plástico] que estava um pouco em retenção. É como se a gente tivesse empurrado um pouco os muros e pudesse se expandir", continua.
FRANCO-BRASILEIRA
Em "Gritos", a dupla volta a dividir a cena como em sua primeira peça, "Dos à Deux" (1998), que deu nome à companhia fundada pelos dois quando trabalhavam na França. É um grupo que se firmou na pesquisa do teatro gestual.
Também é um trabalho desenvolvido no Brasil. Quase todas as montagens do coletivo foram concebidos na Europa, muitas vezes em parceria com artistas do continente -outra exceção foi "Ausência" (2013), monólogo com o ator Luís Melo criado por aqui.
Há cinco anos, a companhia passou a ter duas sedes: uma na França, já existente, e outra no Rio, um casarão de 1846 que abrigava um cortiço no bairro carioca da Glória.
A ideia da dupla, que derrubou paredes do imóvel e transformou os 40 quartos em nove, mais espaçosos, é fazer do espaço um local de residências artísticas.
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GRITOS
QUANDO seg., sex. e sáb., às 20h; dom., às 19h; até 24/4
ONDE Centro Cultural Banco do Brasil, r. Álvares Penteado, 112, tel. (11) 3113-3651
QUANTO R$ 20
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
Livraria da Folha
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