crítica
Nelson Xavier faz pistoleiro com brilhantismo em 'Comeback'
Comeback - Um Matador Nunca Se Aposenta (bom)
DIREÇÃO Erico Rassi
ELENCO Nelson Xavier, Everaldo Pontes, Marcos de Andrade
PRODUÇÃO Brasil, 2016, 16 anos
QUANDO estreia nesta quinta (25)
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Em um subúrbio de Anápolis, Amador (Nelson Xavier, que morreu no último dia 10), um matador de aluguel aposentado, relembra seus tempos de glória enquanto sobrevive quase no anonimato instalando máquinas caça-níqueis em botequins.
Esse argumento simples é desenvolvido com competência pelo roteirista e diretor goiano Erico Rassi em seu filme de estreia. Rassi aborda a velhice e suas vicissitudes sem comiseração, pois, apesar das dificuldades inerentes à idade, Amador é um homem altivo, orgulhoso.
Essa maneira de encarar a velhice tem parentesco com o enfoque de outro filme recente sobre o tema, "A Despedida" (2014), de Marcelo Galvão, protagonizado com o mesmo brilhantismo por Xavier.
Lacônico, solitário e misterioso, Amador sonha em voltar à ativa, quando era respeitado e temido. Esse desejo —estampado no título do filme— vai amadurecendo à medida que a narrativa avança.
O olhar que Rassi endereça ao passado é caracterizado por uma série de elementos, como o ritmo pausado que imprime à narrativa, que parece reforçar a falta de perspectivas do personagem; a lentidão dos gestos de Amador; o lugar em que tudo acontece, um bairro afastado e parado no tempo; o empoeirado e amarelado álbum em que Amador conserva recortes de jornal sobre suas façanhas como pistoleiro.
O anacronismo é reiterado pelos bolerões que povoam a trilha sonora, pelos móveis gastos da casa de Amador, pela velha pistola defeituosa que carrega no bolso —-responsável por algumas situações engraçadas.
O humor também aparece nas breves conversas que Amador tem com os amigos, especialmente com o agitado ex-colega de matanças (Everaldo Pontes) que está internado, louco para sair porque é proibido de fumar, e também com o jovem neto deste (Marcos de Andrade), uma espécie de aprendiz do matador veterano.
Amador é tratado com certo desdém e alguma dureza pelo Tio (Gê Martú), outro bandido da velha guarda, que foi muito mais bem-sucedido do que ele e hoje explora o negócio das máquinas caça-níquel. A empáfia do Tio é uma das razões que explicam seu desejo de retorno.
O filme tem uma dimensão cinéfila ao dialogar com outros gêneros, felizmente sem se reduzir a eles. As referências ao faroeste estão claras nos planos gerais, na ambientação da história num lugar remoto em que a lei se faz pouco presente, nas ruas quase vazias dessa periferia.
O film noir é outra referência na fotografia sombria, cuja paleta de cores é dominada por tons escuros, reforçando o suspense e principalmente a desolação do lugar.
O que mais destoa nesse roteiro bem construído é a frágil subtrama envolvendo dois cineastas, que preparam um filme sobre pistoleiros e procuram Amador. Seu potencial acaba não sendo desenvolvido, funcionando apenas como motivo para o desfecho, que irrompe com grande força.
Livraria da Folha
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