Obras são incapazes de transpor verniz heroico de Percy Fawcett
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O então major Percy Harrison Fawcett no Peru, em foto de 1911 |
Nem adianta tentar dourar a pílula. O tenente-coronel Percival "Percy" Harrison Fawcett (1867-1925), oficial do Exército de Sua Majestade Britânica, membro da Real Sociedade Geográfica e explorador da Amazônia, era um sujeito meio pancada.
Ninguém acredita impunemente numa conexão pré-histórica Atlântida-Brasil ou na suposta "memória psíquica" de artefatos de pedra.
É possível narrar a vida e as desventuras de Fawcett de muitas maneiras, mas nenhuma abordagem será totalmente bem-sucedida sem mostrar a importância das ideias de jerico para o destino desse personagem singular.
O engraçado é que, por enquanto, os que tentaram traçar um retrato do explorador e de sua busca por cidades perdidas pré-cabralinas nas florestas brasileiras não conseguiram demonstrar em sua inteireza o núcleo de maluquice por trás do verniz de herói vitoriano, talvez ofuscados pela aura de heroísmo que esse verniz projeta.
Dos livros em português sobre a figura, o que mais se aproxima disso é "Esqueleto na Lagoa Verde", de 1953, do escritor e jornalista fluminense Antonio Callado (1917-1997).
A obra de Callado nasce de seu trabalho como repórter – ele tomou contato com a lenda de Fawcett ao viajar para o Xingu, região onde o britânico desapareceu, acompanhando o filho sobrevivente do explorador, Brian, numa visita à região em janeiro de 1952.
Brian é o "sobrevivente" porque Fawcett levara Jack, seu filho mais velho, na derradeira jornada Amazônia adentro, e nenhum retornou.
Callado está muito longe de se contentar com a meta de reconstruir as expedições e o (provável) assassinato de Fawcett pelos indígenas xinguanos.
Irônico, meditativo, com uma fleuma que não estaria fora de lugar na pena de um britânico, o escritor brasileiro usa os desencontros em torno do suposto cadáver do oficial (o tal "esqueleto na lagoa" que motivou a vinda de Brian, cujos dados antropométricos não batiam com os de Fawcett) para meditações sobre o abismo entre "civilizados" e "selvagens" (que hoje soam racistas, embora ainda tenham força literária considerável)
Trata também da própria incerteza inerente ao ato de contar uma história. Como o Xingu (antes de Belo Monte, ao menos), o texto meandra.
Outros dois jornalistas, no Brasil e nos EUA, respectivamente, tentaram transformar a confusa trajetória de "P.H.F." (como era conhecido) em algo mais linear e saboroso de ler, com cara de "thriller".
Hermes Leal deu o título "O Verdadeiro Indiana Jones" (2007) a sua obra, enquanto David Grann, repórter da revista "New Yorker", preferiu destacar a quimera arqueológica perseguida pelo explorador com seu "Z, A Cidade Perdida", de 2010, (que se tornou filme de James Gray neste ano).
Grann é um arquiteto narrativo mais hábil do que Leal, mas ambos acabam sucumbindo a certa breguice quando falam das crenças budistas do oficial (que se converteu a essa fé durante seu período de serviço no atual Sri Lanka), de suas disciplinas espirituais ou de sua capacidade supostamente mágica de sobreviver na selva com quase nada e de travar amizade com os nativos
Exploradores mais sóbrios que Fawcett, como o canadense John Hemming, hoje avaliam sua competência nos trabalhos de campo como mediana, no máximo.
Esqueleto na Lagoa Verde |
Antonio Callado |
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Para quem sabe inglês, uma dica interessante pode ser pular os intermediários e ir direto à fonte. "Exploration Fawcett" (2001), coletânea de escritos do próprio explorador organizada por Brian, tem um charme biruta ao qual é difícil resistir.
Fawcett narra os principais episódios de sua trajetória como geógrafo de campo de um jeito direto e divertido –e, na sequência, tome páginas sobre os supostos habitantes pré-históricos ruivos de olhos azuis da América do Sul, ou sobre a civilização tolteca do antigo México ser uma colônia da Atlântida. Só não é para levar a sério, gente.
ESQUELETO NA LAGOA VERDE
AUTOR Antonio Callado
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 29,80 (160 págs.)
AVALIAÇÃO bom
EXPLORATION FAWCETT
AUTOR Percy Fawcett
EDITORA Weidenfeld & Nicolson
QUANTO R$ 60,57 (336 págs.)
AVALIAÇÃO regular
O VERDADEIRO INDIANA JONES: O ENIGMA DO CORONEL FAWCETT
AUTOR Hermes Leal
EDITORA Geração Editorial
QUANTO R$ 30,92 (288 págs.)
AVALIAÇÃO regular
Z, A CIDADE PERDIDA
AUTOR David Grann
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 40,90 (410 págs.)
AVALIAÇÃO bom
Livraria da Folha
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