Atriz Andréa Beltrão vê ecos da era Trump em 'Antígona'
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Andrea Beltrão reestreia 'Antígona' em São Paulo |
Quando montou "Antígona" em 2016, espetáculo que celebrava seus 40 anos de carreira, Andréa Beltrão, 54, buscava sair da zona de conforto. "Queria uma grande complicação e consegui", diz à Folha. "Uma coisa que ou me enterrasse ou me desse asas novas. Por enquanto estou voando por aí com elas."
Andréa faz novo pouso do monólogo, o primeiro de sua carreira, a partir desta sexta (6), em mais uma temporada paulistana da montagem.
Dirigida por Amir Haddad, ela se alterna entre uma explanação, quase numa conversa com o público, e uma interpretação da tragédia de Sófocles, em tradução de Millôr Fernandes, morto em 2012.
Antes de adentrar o drama de Antígona, a atriz faz um passeio pelo histórico da mitologia grega. "Tem uma imensa quantidade de nomes que atravessa a história. Os mitos eram as novelas dos gregos, eles conheciam todos aqueles personagens", conta.
Num exercício de tentar resumir a história dos Labdácidas, a dinastia da qual faz parte a protagonista, lembrou-se de Bob Dylan no clipe de "Subterranean Homesick Blues", em que o músico mostra cartazes com palavras da música, acompanhando a canção.
Dali nasceu o cenário da montagem: um painel com folhas expondo os prenomes dos integrantes da família, como numa árvore genealógica.
É uma apresentação mais didática da história e que busca uma transição fluida entre a narração a interpretação –contida– dos personagens. "As melhores vezes é quando eu consigo fazer mais natural possível."
O PORQUÊ
Já fazia 20 anos que Andréa namorava a tragédia de Antígona, jovem que confronta o tirano governante Creonte para conseguir enterrar o próprio irmão. Mas, quando decidiu montá-lo, era porque falava "o que eu queria dizer, mas não sabia explicar o porquê". "Quando iniciei o processo, a situação política não estava assim, não tinha impeachment, não tinha [o presidente americano Donald] Trump."
Andréa lembrava de início das histórias como a da doméstica Marli Pereira Soares, que em 1979 denunciou policiais pelo assassinato do irmão em Belford Roxo (RJ), de Clarice Herzog (viúva do jornalista Vladmir Herzog, morto na ditadura) e da estilista Zuzu Angel (cujo filho Stuart Angel Jones desapareceu durante o mesmo regime militar).
Mas a peça acabou por reverberar o cenário político atual, afirma. "Hoje Trump é o maior Creonte que a gente tem hoje. O [presidente Michel] Temer é fichinha perto dele, é um sub-Creonte."
Segundo a atriz, durante a temporada da peça, que passou por cidades como Rio, São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Porto Alegre, é grande a reação do público.
"Sempre que o Creonte fala: 'Não vou cair na frente de uma mulher', as pessoas reagem. No Poeirinha [Rio], um espectador gritou um 'fora, Temer'. Eu fiquei na minha, não podia dar muita pista, mas achei legal ele poder dizer o que ele queria. Qualquer opinião é bem-vinda."
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ANTÍGONA
QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 17h; até 5/11
ONDE Teatro Raul Cortez, r. Dr. Plínio Barreto, 285, tel. (11) 3254-1631
QUANTO R$ 80
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
Livraria da Folha
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