Peça vai além do retrato trivial de uma família de classe média
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Helena Ranaldi e Leopoldo Pacheco em "Se Existe Eu Ainda Não Encontrei" |
SE EXISTE EU AINDA NÃO ENCONTREI (bom)
QUANDO sáb., às 21h, e dom., às 19h, até 10/12
ONDE Teatro Eva Herz "" Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073), tel. (11) 3170-4059
QUANTO R$ 50
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
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A classe média sofre, sim. Fiona acumula aos cuidados da casa a preocupação com sua própria mãe idosa e o excesso de trabalho. George mergulha de tal modo em sua pesquisa sobre as pegadas de carbono que impõe severas restrições à família em nome do planeta –nada de comida em lata; viajar de avião, de jeito nenhum.
Anna, a filha desse casal ocupado, tenta atravessar a adolescência sozinha. O tio problemático, que aparece de surpresa para bagunçar a rotina, completa o retrato da típica família de classe média, cujas fraturas são o cerne de "Se Existe Eu Ainda Não Encontrei", do dramaturgo britânico Nick Payne.
Os personagens banais e a trama prosaica, que acumula temas e situações esperados desse universo –bullying, briga de família, tentativa de suicídio–, escapam da platitude graças à direção de Daniel Alvim, que trabalha bem o texto veloz e fragmentado de Payne, e ao bom elenco.
Destacam-se os homens, que, ao evitarem o registro naturalista, revestem de alguma complexidade e estranheza aquela situação ordinária.
O personagem do pai (Leopoldo Pacheco) soma à sua obsessão ambientalista a característica de ser gago, o que reforça a dificuldade de se fazer entender quanto à urgência da redução da emissão de carbono. A gravidade da denúncia é relevada pelo seu próprio excesso, que faz dele uma figura quase patética.
Já Luciano Gatti mostra destreza no jogo com o texto labiríntico e entrecortado do tio, composto majoritariamente de palavrões. Mas sua euforia não o impede de ser o mais atento ao que corre no subterrâneo dessa família tomada por preocupações corriqueiras.
Se a interpretação ampara a interessante exploração da linguagem, o texto em si provoca um estranhamento que não parece proposital. Trata-se de uma tradução muitas vezes literal do inglês, que faz soarem artificiais certas reações dos personagens. O problema não atrapalha a compreensão, mas faz o espectador tropeçar em frases que deveriam fluir naturalmente.
Pois a complexidade reside justamente no efeito de superficial do texto, que rompe com a trivialidade nos pouquíssimos momentos em que os personagens descrevem algum sentimento mais entranhado. Nas frestas está o sofrimento real negado à classe média.
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