Espetáculo 'Iracema via Iracema' prima pela cumplicidade
Christiane Forcinito/Divulgação | ||
Atriz Luciana Ramin em 'Iracema via Iracema', espetáculo encenado dentro de um ônibus |
IRACEMA VIA IRACEMA (muito bom)
QUANDO qui. a sáb., às 21h, dom., às 18h30; até 4/2
ONDE Sesc Pompeia - deque, r. Clélia, 93, tel. (11) 3871-7700
QUANTO R$ 6 a R$ 20
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
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A Trupe Sinhá Zózima pesquisa, há dez anos, o ônibus como espaço cênico. Diversas obras foram realizadas tanto em ônibus de linha quanto no da companhia. Em conjunto com o coletivo Agrupamento Andar7, foi criado o espetáculo "Iracema via Iracema" –este encenado dentro de um veículo estacionado.
O transbordamento entre as pesquisas dos coletivos é evidente: se o ônibus é o habitat natural da Trupe, elementos do teatro contemporâneo, como o "video mapping", e o hibridismo de linguagens do Agrupamento dão o tom da encenação.
O ônibus, lar de Iracema –mulher de origem rural, semianalfabeta e que decide em dado momento morar dentro do transporte público, deslocando-se pela cidade–, é uma instalação que se integra com a performer, Luciana Ramin, que conduz toda a montagem.
Na encenação eficaz de Anderson Maurício, iluminação (Tomate Saraiva), som (Rafael Paiola) e cenografia (assessoria de Mariana Chiarello) realizam o trânsito entre diversas atmosferas instauradas pela interpretação performática de Ramin em diálogo com o texto de Suzy Lins de Almeida.
Trata-se de uma dramaturgia imbricada e recortada, por vezes difícil de acompanhar pelas súbitas transformações de humor e ambiente (o tom cômico se alterna com os dramas da personagem). Porém tal problemática não chega a incomodar: a relação entre Ramin e o público, que se senta nas poltronas do ônibus, se dá em grande cumplicidade.
É uma obra participativa, que se alimenta da vivência do espectador. Uma experiência cênica de grande potência, ela consegue uma boa comunicação com o público. A atriz também brinca com a forma da própria encenação.
Esse recurso, além de lembrar que se trata de teatro, negando qualquer ilusionismo, opera como suporte para a manutenção da conexão estabelecida. Por vezes, no entanto, Ramin parece lançar mão de fórmulas desnecessárias para manter tal ligação: há certo excesso nos comentários engraçadinhos.
POPULAR
Ainda que existam diversas camadas e certa complexidade, há um quê muito bem-vindo de teatro popular. "Iracema via Iracema" é um espetáculo acessível que não abre mão da pesquisa contemporânea de linguagem.
Há ainda um plano místico no início, mas que rapidamente é quebrado, e a obra traz o público para o mais cotidiano, sem perder sua dimensão transcendental.
Transitando nesses universos, percebe-se que aquela é uma Iracema entre tantas. São histórias que, abruptamente cortadas, parecem as que escutamos nos coletivos, de rabo de ouvido.
Convidados a entrar na intimidade dessa Iracema plural, suas histórias de vida –densas e terríveis ou leves e divertidas– nos apresentam a miséria da mulher. Habitar o ônibus é não habitar lugar algum. Mas não há resignação: Iracemas teimam em nascer. Ainda que esquecidas e abandonadas à própria sorte, seguem vivendo.
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