Não há mais meio termo na moda, há roupa boa ou ruim, afirmam Dolce & Gabbana
Domenico Dolce e Stefano Gabbana descobriram na marra que o consumo de moda não é mais o mesmo de quando fundaram, nos anos 1980, a grife que leva seus sobrenomes.
"Percebemos que ou as pessoas compram roupas de baixa qualidade, como as da Zara, ou de alta, como as da Chanel. Não há mais meio-termo, assim como não há mais classe média", disse Gabbana em entrevista à Folha.
Os estilistas italianos inauguraram, ontem, no shopping JK (SP), a primeira loja própria da Dolce & Gabbana da América Latina, na qual são vendidas as linhas de pret-à-porter e de acessórios da marca.
A estratégia faz parte do novo posicionamento da grife, que pegou de surpresa a indústria fashion ao anunciar, em 2011, o fim das operações da etiqueta D&G -linha jovem e com itens mais baratos que os da marca mãe.
"Uma grife que se propõe a inovar e deixar sua marca na história não pode ter mais de uma linha.
Giampaolo Sgura/Divulgação | ||
Os estilistas italianos Domenico Dolce & Stefano Gabbana, que abriram em São Paulo sua primeira loja própria na América Latina |
No mês passado, a Dolce & Gabbana deu outro passo importante nesse processo, quando desfilou sua primeira coleção de alta-costura. "Somos uma marca de itens exclusivos e criativos", afirma Dolce.
Segundo ele, o Brasil foi o primeiro país latino-americano a receber uma loja própria da grife devido à semelhança do estilo brasileiro com o italiano.
"Somos muito passionais e gostamos de transmitir isso na roupa que vestimos."
Ele se refere aos ternos justíssimos adorados pelos jogadores de futebol dos times europeus e aos decotes e às fendas queridas de celebridades como a atriz italiana Monica Bellucci e a cantora Madonna.
Na suíte presidencial de um hotel da capital paulista, a dupla de estilistas recebeu a Folha para uma conversa, na qual esmiúçam o mercado de moda atual e contam como pretendem eternizar o estilo da Dolce & Gabbana. Leia abaixo a íntegra da entrevista.
*
Folha - O que o Brasil representa nesse novo momento da Dolce & Gabbana de assumir as operações dos negócios na América Latina?
Stefano Gabbana - Era natural que abríssemos nosso primeiro ponto aqui, porque o mercado está favorável para o consumo de bens de luxo. Aliás, a América Latina como um todo. Países como México, Chile e Bolívia, por exemplo, são grandes mercados a explorar. Há também o fato de nós italianos sermos de origem latina, assim como vocês. O senso estético é similar, o gosto pela moda e os valores de beleza também.
Acredita que a mulher brasileira é parecida com a italiana em se tratando de estilo?
Gabbana - Claro. As sicilianas, por exemplo, são as mulheres mais apaixonadas do mundo (risos). Têm um lado passional que se aproxima das do hemisfério sul.
Qual a grande mudança que acompanharam no estilo de se vestir dessa mulher desde a inauguração da marca [em 1985]?
Gabbana - Acredito que a grande mudança que acompanhamos não está relacionada à mulher, mas ao homem. Antes do anos 2000, moda masculina era um terreno de gays e de "homens estranhos". Na Europa e nos EUA isso começou a mudar quando jogadores de futebol passaram a aparecer em campanhas de moda.
Domenico Dolce - É que o homem olhou aquele outro com quem se identificava por meio do esporte e se questionou porque não poderia estar daquele jeito. Imagina se nos anos 1980 um homem iria passar creme no rosto? Ele, que ia do trabalho para a festa com a mesma roupa (risos). Os esportistas ajudaram muito nessa mudança de comportamento.
Gabbana - Claro que o mundo ainda é muito machista. No entanto, percebemos que o homem está ficando igual à mulher quando se trata de querer estar bem vestido. O esforço é o mesmo.
Há cinco anos vocês foram uns dos primeiros estilistas a aproximar os blogueiros de moda da passarela, antes restrita a jornalistas, compradores e alguns fãs.. Qual sua análise sobre o trabalho que eles executam atualmente?
Gabbana - É tudo um tédio agora. O fato é que, quando você dá liberdade para muita gente falar, acaba que ninguém é ouvido. Há poucos bons blogueiros de moda. A maioria só fala, fala, fala, e não diz nada. É como um reality show, no qual a maioria quer mesmo é ser famoso e aparecer na foto.
Conte-me um pouco sobre o fim da D&G [segunda linha, mais acessível, da Dolce & Gabbana]. Por que fecharam as operações da marca?
Gabbana - Percebemos que, ou as pessoas compram roupas de baixa qualidade, como as da Zara, ou de alta, como as da Chanel. Não existe mais meio termo, assim como não existe mais classe média. Uma grife que se propõe a inovar e deixar sua marca na história não pode ter mais de uma linha. A D&G popularizou nosso nome, mas precisávamos decidir o que queríamos para a linha principal a longo prazo.
Dolce - Somos uma marca de itens exclusivos e criativos. As coleções de prêt-à-porter estão muito sofisticadas hoje em dia, se bastam. É esse o direcionamento que queremos dar à Dolce & Gabbana.
Gabbana - Já viu maisons como Chanel ou Hermés abrindo segunda linha? É necessário priorizar um único nome e uma única identidade para transformá-los em algo realmente duradouro.
Por isso decidiram também começar a desfilar coleções de alta-costura?
Gabbana - Sim. A alta-costura agrega valor a uma grife. As pessoas desejam ter aquilo que é mais exclusivo. No entanto, a nossa coleção é apresentada apenas para o consumidor. Em Paris, você vê um desfile de alta-costura e, no mês seguinte, uma cadeia de fast fashion o reproduz. Onde está a exclusividade nisso? As clientes que realmente querem algo único e podem pagar por isso não querem ver a peça copiada. Por isso, fechamos o desfile e só o registramos em fotografias para o nosso arquivo.
Pensam em criar para o tapete vermelho?
Gabbana - Nunca! Acho um saco ter que aturar as alterações de humor das atrizes do Oscar, por exemplo. Querem algo único, mas impõem uma série de regras e se sentem inseguras facilmente. Digo que, se gostam de algo que criamos, eu dou de presente. Ou, melhor, compre!
Dolce - O fato é que 90% das mulheres que vemos nas revistas foram pagas para vestir aquela peça. É um negócio, claro. Um contrato que é feito.
Então, qual foi a mulher, entre as tantas que vocês vestiram nas campanhas da grife, como Madonna e Kylie Minogue, que representou melhor o estilo da marca?
Dolce - Aquela que realmente a veste no dia dia sem que precise haver uma acordo de negócios ali: a [atriz] Monia Bellucci. Alguém que quer comunicar algo por meio da roupa não pode se preocupar com a marca que veste. Ela usa Dolce & Gabbana por que representa o estilo dela.
Gabbana - É, Madonna é estilosa, mas muda muito de estilo (risos)...
Nessas quase três décadas em que estiveram lado a lado no trabalho, o que mudou na relação de vocês?
Dolce - Tudo e, estranhamente, nada. O amor continua forte, só que de formas diferentes. Fomos namorados durante muito tempo, mas isso não quer dizer que, por hoje estarmos separados fisicamente, não nos amamos. As pessoas têm um problema sério em achar que amor está relacionado a sexo.
Gabbana - Claro. Existe uma cumplicidade que só a maturidade nos proporcionou. Paramos no momento certo, graças a Deus (risos).
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