Conheça a história da empregada doméstica que virou ministra
Há pouco mais de um mês em vigor, a nova Lei dos Domésticos ainda não foi completamente regulamentada.
Pontos como a definição da jornada de babás e cuidadores ou a multa paga pelos patrões em demissão por justa causa, por exemplo, ainda precisam ser definidos pelo Congresso Nacional.
À Folha, a ministra do TST Delaíde Arantes -que, no Dia do Trabalho, completou 61 anos- diz que compreende a controvérsia, mas apoia regras iguais para as categorias.
Folha - Por qual motivo a PEC trouxe tanta discussão?
Delaíde Arantes - É uma questão complexa do ponto de vista de paradigmas. Quando veio a Constituição de 88, também houve reclamação. Agora é um pouco mais complicado do ponto de vista de conscientização. Não são empresas reclamando, mas milhões de pessoas.
Qual dos pontos, na sua opinião, é o mais polêmico?
A jornada de trabalho, porque muitos empregadores já combinaram a remuneração estabelecendo qual seria a jornada. É necessário um processo de adaptação, mas defendo a mudança. Não há nada que justifique uma categoria de 7,2 milhões de brasileiros viver marginalizada.
A senhora concorda com a multa de 40% sobre FGTS para demissão sem justa causa?
Do ponto de vista legal não pode ser diferente, mas não sou radical de dizer que não aceito discutir.
A PEC acaba com a marginalização da categoria?
Melhora muito o constrangimento, a estima. A emenda não acaba com todos os problemas, mas o trabalhador passa a ser reconhecido, sai da situação de invisibilidade.
*
Meu sonho sempre foi trabalhar com Direito. Uma vez me perguntaram: como é o caminho de empregada a ministra? Olha, foi tão longo que nem dá para fazer uma ligação direta.
Fui doméstica aos 15 anos, em Pontalina (GO), para ajudar a custear meus estudos, comprar livros. Fiquei nesse emprego por um ano.
A segunda ocasião foi ao sair da minha cidade. Fui para Goiânia e trabalhei em uma república de moças. Eu morava lá, mas não pagava aluguel, prestava esses serviços. Fiquei lá seis meses.
Sou a filha mais velha de nove irmãos. Fui a primeira a sair de casa e a primeira a me formar no nível superior. Depois de mim, outros irmãos também fizeram faculdade.
Desde menina me dei conta de que a situação financeira da minha família era muito ruim. Vovó dizia que tinha receio de a minha mãe passar dificuldade. Eu pensava: vou ajudar meus pais.
Lembro de pedir a Deus para me ajudar a conseguir estudar. Papai me dizia que era muito difícil, éramos muitos filhos e eles não tinham recursos. Estudei bastante. Minha escola ficava a 2,5 km de casa. Ia e voltava a pé.
Lembro-me de um episódio em que um primo foi me ajudar a arrumar um emprego. Ele ligou para um político que frequentou a casa do meu avô e, quando explicou quem eu era, o interlocutor emendou: "Neta do Cipriano não pode ser".
O que ele queria dizer era: aquela família era tão simples que eu não poderia ter preparo para trabalhar em um escritório de advocacia. Trabalhei lá por seis meses.
Pedro Ladeira/Folhapress | ||
A ministra do TST Delaíde Arantes, em seu gabinete |
SONHOS COM TRIBUNAL
No interior existem poucas atividades culturais. Em Pontalina só tinha uma sala de cinema, que exibia filmes alguns dias do mês.
O que tinha sempre era sessão do Tribunal do Júri. A população ia lá assistir e ficava encantada. Eu também.
Sempre soube que era isso que queria. Fiz contabilidade e depois o curso de direito.
Nesse período, em Goiânia, trabalhei em vários lugares: em loja de material de construção, recepcionista em construtora e, depois de uma seleção, fui secretária-executiva de uma multinacional.
Sou uma otimista incorrigível. Gosto de dizer que era feliz como doméstica, recepcionista, secretária, estagiária. É preciso gostar do que se faz. Procurei fazer tudo da melhor forma.
Não houve um salto na minha carreira. Foi uma longa e lenta caminhada. Ingressei de corpo e alma na carreira.
Com dez anos de advocacia, passei a ter meu próprio escritório. Depois de 30 anos surgiu a oportunidade de concorrer a uma vaga no Tribunal Superior do Trabalho. Concorri com 28 advogados de todo Brasil.
Meus pais são vivos e estão muito orgulhosos de mim.
Eles me apoiam desde pequenininha.
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