Análise: Inflação é um perigo superestimado
Quase três anos atrás, no Fórum Econômico Mundial "Davos de Verão", em Tianjin, ouvi um político republicano dizendo que, dentro de dois anos, os Estados Unidos estariam em hiperinflação. Fiquei atônito.
Mas muita gente acredita que a hiperinflação esteja a caminho. E, se os Estados Unidos estão em dificuldades, o Reino Unido certamente passará pelo mesmo problema.
Essas previsões têm alguma base? A resposta é: possivelmente, em prazo muito longo. No presente, porém, o risco é de que a inflação fique baixa demais, e não alta demais. O que paradoxalmente agrava o risco de inflação em longo prazo.
O que propele um processo inflacionário? A resposta clássica vem do economista Milton Friedman: "A inflação, sempre e em toda parte, é um fenômeno monetário, no sentido de que é, e só pode ser produzida por, um aumento mais rápido na quantidade de dinheiro do que na produção da economia". Mas isso não explica por que a quantidade de dinheiro cresceria mais rápido que a produção.
A resposta das pessoas que agora se sentem aterrorizadas pela inflação é dupla. Primeiro, os bancos centrais estão "imprimindo dinheiro" por meio do "relaxamento quantitativo", o que em última análise resultará em crescimento explosivo da base monetária ampla. Segundo, o nível prospectivo da dívida pública no futuro encorajará os governos a um calote, via inflação.
Vamos considerar essa grande questão no caso do Reino Unido, onde a dívida pública está em alta e a inflação recente é relativamente alta.
Quaisquer que sejam os riscos de longo prazo, o quadro para os próximos dois anos, pouco mais ou menos, é exatamente o oposto. Os índices da inflação central e da inflação mais ampla são razoavelmente baixos. A inflação nos salários está próxima de zero e, a despeito da queda da produtividade, os custos da unidade de mão de obra estão crescendo em menos de 2% ao ano.
A taxa de câmbio se estabilizou, como os preços das commodities. As projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam que estes devem continuar a cair nos próximos anos. O balanço, portanto, aponta para pressões inflacionárias muito fracas no curto prazo. E o que se aplica ao Reino Unido se aplica ainda mais aos Estados Unidos e à zona do euro.
Agora consideremos os próximos cinco anos. Ao longo do período em questão, a demanda e o nível de utilização da capacidade instalada se tornam importantes. O Produto Interno Bruto (PIB) britânico, infelizmente, está 16% abaixo do que apontava a tendência anterior à crise. As estimativas oficiais também indicam grande capacidade ociosa: o FMI estima que a disparidade na produção, a diferença entre o potencial produtivo e a produção real, atingirá os 4% ainda este ano. Ainda que inferior ao que se poderia esperar, o desemprego está em 8%.
Além disso, a expansão do balanço do banco central não compensou a falta de disposição dos bancos a emprestar. Como consequência, o volume de crédito e a chamada base monetária ampla estão em queda. Por fim, a política fiscal é fortemente contrativa.
Mesmo em médio prazo, portanto, é difícil acreditar que a inflação seja mais que ilusória. Mas e quanto ao longo prazo? Será que a década de 2020 viverá uma alta na inflação? Muita gente acredita que sim porque existe uma conexão direta - o chamado "multiplicador monetário" - entre as reservas que os bancos comerciais depositam no banco central e os empréstimos dos bancos comerciais ao público.
A suposição dessas pessoas é de que os bancos passarão a emprestar mais como proporção dessas reservas, o que significa que o nível elevado de reservas mantido atualmente é indicador de expansão monetária futura.
Mas um banco solvente pode obter no banco central as reservas de que precisa. Além disso, o banco central garantirá que um banco em boa situação jamais fique desprovido de reservas, já que a alternativa seria uma quebra do sistema de pagamentos. Mas o que limita os empréstimos dos bancos? E a resposta é: a solvência das instituições e a dos consumidores.
Assim, o capital acionário de um banco passa a ser, com isso, determinante muito mais direto do que suas reservas, para a capacidade de criar dinheiro. Além disso, caso o banco central deseje reduzir as reservas bancárias excessivas, pode vender títulos de dívida do governo ou elevar seus requisitos de depósito compulsório. Dessa forma, a ideia de que um nível elevado de reservas garante uma futura disparada na base monetária ampla é falsa.
Um argumento mais convincente quanto à probabilidade de inflação alta não a vê como consequência necessária das políticas atuais, mas como forma mais simples de as autoridades econômicas lidarem com o excesso de dívida pública (ou privada). Sob essa interpretação, os conflitos distributivos - entre credores e devedores, ou talvez entre jovens e velhos - serão resolvidos por meio de um calote inflacionário dos passivos.
É fácil recordar precedentes para esse tipo de redistribuição inflacionária da riqueza. Quais são as alternativas, afinal? Em termos amplos, são: austeridade; crescimento; e repressão financeira (reduções nas taxas de juros, possivelmente combinadas a controles de câmbio e outras restrições ao investimento). A inflação pode se enquadrar confortavelmente a esses elementos alternativos.
De fato, o Reino Unido tem uma história recente interessante no que tange à gestão de sua dívida pública. Depois da Segunda Guerra Mundial, a dívida líquida era mais de duas vezes superior ao Produto Interno Bruto (PIB). No começo dos anos 70, a razão havia caído a 50%.
Como aconteceu essa notável mudança? A resposta é que a dívida nominal em circulação cresceu em 29% entre 1948/49 e 1970/71, enquanto o PIB nominal cresceu em 336%. Tanto o PIB real (alta de 91%) quanto os índices de preços (alta de 128%) contribuíram para esse desfecho afortunado. A taxa composta de crescimento do PIB nominal foi de 6,9%; a da economia real foi de 3%; e a dos preços foi de 3,8% anuais.
A menos que o Reino Unido prove se parecer muito com o Japão das duas últimas décadas, a razão entre dívida pública e PIB deve, sob a maior parte das projeções, chegar à década de 2020 em nível inferior à metade do que ela tinha em 1948. Levando esse dado em conta, até mesmo um crescimento nominal de 4% ao ano para o PIB resolveria a questão.
Isso presume que será possível transformar o deficit fiscal primário (anterior ao pagamento de dívidas) em superávit de, digamos 2% do PIB pelo começo de 2020, e que as taxas de juros reais de longo prazo não passem dos 2%. Sob essas suposições, a estratégia de eliminar a dívida via crescimento parece perfeitamente plausível.
Quais são as maiores ameaças? A resposta tem de ser: uma queda abrupta no PIB real que destrua o valor das casas, eleve o desemprego, cause deflação e, possivelmente, até gere um novo choque financeiro. Isso faria com que o numerador - a dívida pública - se tornasse muito maior e que o denominador - o PIB - caísse ainda mais.
A única compensação possível seria reduzir os juros. Mas, como mostra a experiência japonesa, nem mesmo juros ultrabaixos bastam para proteger uma economia contra o impacto adverso de deficit fiscais prolongados e deflação. Crescimento forte e sustentável é a solução.
Tradução de Paulo Migliacci
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