Diretor da OMC questiona negociações comerciais regionais lideradas pelos EUA
Pascal Lamy, que em breve encerrará seu mandato como diretor da OMC (Organização Mundial do Comércio), questionou a "coerência" e o valor de duas grandes iniciativas regionais de comércio lideradas pelos Estados Unidos, argumentando que há fortes questões quanto à sua contribuição aos esforços de liberalização do comércio mundial.
O lançamento, neste mês, de negociações comerciais entre a União Europeia e os americanos e as negociações iniciadas cinco anos atrás entre 11 países para uma Parceria Transpacífico, às quais o Japão aderirá na semana que vem, são vistas por alguns como um grande desafio à rodada Doha de negociações de liberalização do comércio, conduzida pela OMC.
Os defensores das iniciativas regionais argumentam que os Estados Unidos e seus parceiros estão injetando um novo dinamismo na agenda de negociações do comércio mundial, depois de um longo período de paralisação devido ao impasse na rodada Doha.
Somadas a outras iniciativas comerciais, afirmam os defensores, elas podem servir de elementos formadores de um acordo mundial.
Em uma entrevista ao "Financial Times" poucas semanas antes do final de seu mandato de oito anos como diretor da OMC, sediada em Genebra, Lamy expressou discretas críticas aos esforços para acordos comerciais transatlânticos e transpacíficos.
"A realidade é que ainda não se pode decidir" se essas negociações terão ou não sucesso, disse Lamy, antigo comissário do comércio internacional da União Europeia.
Ele disse que não estava certo de que as autoridades de Washington, Bruxelas e Tóquio tivessem calculado corretamente como um acordo transatlântico se enquadraria ao acordo do Pacífico e a outros esforços regionais de negociação, como o empreendido pelos dez países da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), que desejam integrar os acordos bilaterais de seus componentes com países como a China, Austrália e Japão em uma estrutura regional unificada.
BASE
Experiências passadas mostram que acordos regionais e bilaterais podem servir como "base", e não como "obstáculo", para grandes acordos multilaterais.
A crescente importância das barreiras não tarifárias ao comércio, como padrões de segurança alimentar e regras quanto a emissões automotivas de poluentes, significam que costurar esse tipo de acordo pode se provar mais difícil no futuro.
Fechar acordo sobre padrões de regulamentação em nível regional ou bilateral pode resultar em integração regional "mais profunda", ele disse.
Mas isso também pode complicar o processo de obter um acordo muito mais globalizado e dotado de "coerência regulatória", e assim criar novas barreiras ao comércio internacional.
"Essa é uma questão que, por enquanto, não tem resposta. Não sabemos se é essa a ambição. Não sabemos quem criará a coerência", disse.
"Quando aponto para essa questão em Bruxelas, eles dizem que eu não preciso me preocupar, e que garantirão a coerência. E quando vou a Tóquio e pergunto quem vai garantir a coerência, os japoneses respondem que não sabem".
"A verdadeira questão, ao final do processo, é se isso resultará ou não em convergência multilateral", disse Lamy.
Acordos regionais como esses também parecem representar a formação de uma "coalizão de voluntários", a fim de evitar questões difíceis como os subsídios à agricultura, ele disse.
SUBSÍDIOS AGRÍCOLAS
"Nenhuma dessas negociações bilaterais e plurilaterais, mini ou mega, jamais conduzirá a um acordo que reduza os subsídios à agricultura que distorcem o comércio internacional", ele disse.
"Ouvimos muito sobre [as negociações de um tratado comercial entre] Estados Unidos e União Europeia. Mas ninguém diz que esses dois elefantes deveriam incluir em seu cardápio a redução dos subsídios que praticam e causam distorção no comércio. E os dois lados ainda têm muitos deles. E o mesmo vale para as negociações entre Estados Unidos e Japão, e até entre a Suíça e o Japão".
Apesar de reconhecer que muita gente acredita que as negociações multilaterais estejam em impasse, Lamy defende a relevância da rodada Doha, mesmo depois de 12 anos de negociações complicadíssimas.
"Intelectualmente, consigo compreender que as pessoas estejam cansadas [da rodada Doha]. Consigo entender. Mas o lado político é que não podemos ignorar a missão [de nivelar o jogo comercialmente]", diz.
O ímpeto necessário a um grande acordo pode não existir por enquanto, mas há boa chance de chegar a um acordo significativo em Bali, ainda este ano, para reduzir as barreiras alfandegárias ao comércio internacional.
CUSTO ADICIONAL
A "espessura administrativa" das fronteiras hoje eleva em cerca de 10% o custo do comércio mundial, e a redução dessa "espessura" por meio de um tratado de "facilitação do comércio" representaria economia substancial para as empresas, especialmente porque o valor médio das tarifas mundiais é de apenas 5% hoje em dia, ele disse.
Especialistas em comércio internacional e importantes negociadores definem a reunião ministerial marcada para dezembro em Bali como o momento decisivo da rodada Doha.
Além das negociações do pacote de facilitação do comércio, os negociadores também estão trabalhando em medidas de segurança alimentar que são alvo de pressão de economias em desenvolvimento como a Índia, que permitiriam a esses países comprar grãos de agricultores de subsistência e estocá-los.
Os críticos dessas medidas dizem que elas equivalem a uma nova forma de subsídio, e que em muitos casos são irracionais economicamente.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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