Análise: Investidores em mercados emergentes rejeitam ações de estatais
Os administradores de ativos sempre temem a mão pesada do Estado e sua interferência em seus investimentos. Mas eles raramente rejeitaram com tanto fervor as companhias estatais de países em desenvolvimento.
Em contraste, o dinheiro continua a fluir generosamente para empresas que se relacionam ao consumo nos mercados emergentes - seja de alimentos básicos, seja de produtos de aquisição mais facultativa, por exemplo televisores ou automóveis.
Alguns analistas e administradores de fundos sentem que a divergência de avaliação entre as empresas estatais rejeitadas e as empresas de bens de consumo tão queridas dos investidores agora se tornou grande demais. Ajay Kapur, estrategista de ações do Bank of America Merrill Lynch (BAML), argumenta que ela representa uma "imensa concentração de risco", nas carteiras de muitos investidores.
As estatais em questão - em sua maioria gigantes das economias nacionais como a PetroChina, Sberbank ou Petrobras - têm suas ações negociadas no momento por valores 50% inferiores aos de empresas do setor privado, de acordo com o BAML.
É "evidente que existe um grande desconto com relação ao capitalismo de Estado, um preconceito diretamente conectado ao controle estatal. O mercado simplesmente não confia em que o Estado faça a coisa certa", afirmou Kapur em nota de pesquisa.
Existem bons motivos para que o valor dessas ações seja inferior ao de ações privadas. Ainda que as estatais possam se beneficiar de empréstimos subsidiados ou garantidos pelo Estado, tenham vantagens tributárias e desfrutem de contratos favoráveis com o governo, os retornos para os acionistas não estão entre suas prioridades.
"Já vimos muitas vezes que os lucros podem ser engolidos por um grande programa de investimento de capital", disse Emily Whiting, administradora de carteira de clientes na JPMorgan Asset Management. "Diversas dessas companhias simplesmente não são dirigidas de forma a beneficiar os acionistas minoritários".
Bancos e companhias de energia russos e chineses são o exemplo clássico, mas mesmo o Brasil muitas vezes ordena que suas estatais operem em apoio à política do governo. A Petrobras, por exemplo, oferece um subsídio extraoficial aos combustíveis no mercado interno, a fim de ajudar a controlar a inflação - e isso lhe custa bilhões de dólares em lucros.
Como resultado, as ações de empresas como a Petrobras, Bank of China e Gazprom são negociadas abaixo do valor contábil de seus ativos. A Gazprom tem suas ações negociadas por três vezes sua receita anual, ante um múltiplo de 11 vezes para o índice MSCI Emerging Markets.
Enquanto isso, os grupos que extraem seus lucros da venda de bens de consumo continuam tendo avaliações generosas para suas ações. A Want Want China, produtora de biscoitos de arroz e outros salgadinhos, está avaliada por 10 vezes o seu valor contábil., e a Nigerian Breweries por quase 11 vezes o seu valor contábil.
Alguns analistas acreditam que o nível agregado de desvalorização das estatais já passou do limite, e se preocupam com um possível entusiasmo excessivo quanto às ações de bens de consumo.
As 20 ações mais baratas entre as 100 maiores empresas dos mercados emergentes só estiveram tão baratas com relação à média do segmento em três momentos da História - nos pontos mais baixos das crises de 1998, 2002 e 2008. Enquanto isso, as 20 ações mais caras - quase todas de empresas de bens de consumo - estão nos 3% mais altos das avaliações históricas.
"Os investidores estão desconsiderando demais as estatais impopulares e privilegiando em excesso as companhias 'de crescimento' nos ramos de bens de consumo, Internet e telecomunicações", diz Kapur.
Ao contrário do que essa percepção generalizada parece indicar, pesquisas demonstram que as estatais tendem a se sair melhor em longo prazo, Jonathan Garner, do Morgan Stanley, no ano passado analisou os dados históricos de desempenho e constatou que as empresas estatais superaram a referência do mercado por larga margem na última década.
Existem várias explicações para esse desempenho surpreendentemente positivo. Além de motivos óbvios como a generosidade do governo, menores custos de captação devido a conexões estatais e distorções setoriais, alguns administradores de fundos apontam para o fato de que empresas privadas nos países em desenvolvimento são muitas vezes negócios familiares ou controladas por oligarcas. A governança pode se provar igualmente complicada para os demais acionistas, nesses casos.
Peter Marber, diretor de investimento em mercados emergentes da Loomis Sayles, não é fã de empresas para as quais a política do Estado importa mais que os retornos para os acionistas, mas sente que muitos investidores se encantaram demais com as companhias de bens de consumo nos mercados emergentes.
"Os investidores tendem a se deixar seduzir por histórias ingênuas, como a narrativa dos fabricantes de bens de consumo em mercados emergentes. Sim, essas populações consumirão mais com o passar do tempo, mas essa tendência já pode estar incorporada aos preços das ações. Algumas das ações de companhia de consumo podem na realidade estar superestimadas", diz.
Por outro lado, a desaceleração no crescimento e as condições financeiras mais severas podem encorajar nova rodada de reformas e privatizações nos países em desenvolvimento, servindo como catalisador para melhora de desempenho nas estatais.
Esse cenário pode parecer otimista demais, mas Kapur acredita que ele já esteja vigorando. "O momento de agir está próximo - os mercados e populações exigirão mudanças com maior intensidade", ele diz.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade
Calculadoras
O Brasil que dá certo
s.o.s. consumidor
folhainvest
Indicadores
Atualizado em 03/05/2024 | Fonte: CMA | ||
Bovespa | +0,95% | 127.122 | (18h30) |
Dolar Com. | -1,15% | R$ 5,0534 | (10h03) |
Euro | 0,00% | R$ 5,4803 | (10h01) |