Retirada de estímulos dos EUA cria risco de bolha e deflação
A alta natalina aguardada para o preço das ações enfim chegou, esta semana. Os mercados de ações dos Estados Unidos atingiram nova marca histórica de alta, depois de semanas de desânimo.
A cordial figura barbada a quem devemos agradecer por isso não é o Papai Noel, mas Ben Bernanke. O chairman do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), que em breve deve deixar o posto depois de oito tumultuados anos no comando da instituição, ministrou nova surpresa esta semana, colocando em vigor a temida redução nas compras de títulos do Fed sob seu programa de relaxamento quantitativo. Em lugar de gastar US$ 85 bilhões ao mês na compra de títulos, o Fed agora só comprará US$ 75 bilhões.
Isso é muito importante. As escolhas que o Fed terá de fazer daqui por diante são como as de um alpinista no pico de uma montanha. A maioria das mortes e acidentes acontecem na descida. Na subida, a adrenalina está fluindo, não há cansaço, e os passos são ascendentes. Na descida, o pico da adrenalina já se esgotou, o cansaço é intenso e tropeçar conduz ao abismo.
De maneira semelhante, os riscos do relaxamento quantitativo, uma medida desesperada para evitar a deflação e manter a economia ativa, estão na fase da descida, e não na subida. Quando a política foi adotada, o grande medo era de que causasse inflação. Isso não aconteceu, ao menos nos preços ao consumidor.
Mas o caminho é estreito. Na descida, existem riscos associados à pressa excessiva e à lentidão excessiva.
Reduzir o apoio rápido demais elevaria o risco de um pânico da parte dos investidores em títulos, quando o Fed deixasse de ser o comprador de último recurso. O
rendimento dos títulos do Tesouro norte-americano, ainda encarados como os mais seguros ativos do planeta, determina as taxas de juros para transações em todo o mundo, o que significa que existe potencial de desastre.
Avançar rápido demais também elevaria o risco de fugas de capital. Enquanto as taxas de juros norte-americanas eram zero, o dinheiro fluiu indiscriminadamente dos Estados Unidos para qualquer lugar que oferecesse rendimento mais alto. Quando esse fluxo se reverter, o perigo é que os países que necessitavam desse "hot money" fiquem expostos.
Quando Bernanke primeiro mencionou a ideia de descontinuar gradualmente as medidas de apoio, em maio, a simples perspectiva dessa ação tornou mais provável que pesadelos se concretizassem. O rendimento dos títulos subiu acentuadamente, enquanto o dinheiro fugia dos grandes mercados emergentes, como Índia, Indonésia e Brasil. E o anúncio também paralisou por alguns meses a alta nas ações que se estendia há um ano.
A decisão desta semana teve muito menos impacto. As moedas dos países emergentes perderam força, com a notícia, mas em geral se mantiveram acima das marcas mais baixas do ano, registradas quando havia medo de fugas de capital. Os títulos do Tesouro norte-americano tiveram ligeira onda de vendas, mas o rendimento dos papéis de 10 anos, 2,9%, ficou ligeiramente abaixo dos 3% registrados em setembro, quando todos estavam se preparando para a iminente redução no programa de estímulo. Para esses mercados, Bernanke leva jeito de Papai Noel. De lá até o final do ano, ele conseguiu realizar o truque clássico de um dirigente de banco central: remover o estímulo gentilmente, e preparar os mercados para tempos mais difíceis, sem criar pânico.
Mas na descida do Fed, também existe o risco de lentidão excessiva. Se o dinheiro fácil continuar fácil por tempo demais, há risco de bolhas de preços nos ativos, especialmente as ações.
A redução no estímulo foi modesta, mas veio acompanhada por uma orientação notavelmente generosa quanto ao futuro. O desemprego norte-americano é de 7%.
O Fed não antecipa que ele caia a 6,5% antes do final do ano seguinte. E o banco central afirma que a taxa de fundos federais (zerada) não suba até "bem depois" de que isso aconteça.
PASSADO
Seis anos atrás, antes da crise, essa posição seria considerada inimaginavelmente generosa. Juros assim baixos servem de sustentação aos lucros empresariais (ao reduzir os custos financeiros das companhias) e justificam pagar um múltiplo maior dos lucros na compra de ações, porque os investimentos fixos alternativos apresentam rendimento mais baixo. O Natal chegou mais cedo para o mercado de ações.
Hoje, os riscos estão associados a uma descida lenta demais, e a uma bolha especulativa.
Isso não deve obscurecer o sucesso de Bernanke em seu último ano à frente do Fed. Tendo tomado a audaciosa decisão de lançar o relaxamento quantitativo, para começar, agora parece que ele engendrou uma recuperação econômica sem causar inflação, já que esta no momento é de 1,2% ao ano. Há cinco anos, quando o relaxamento quantitativo começou, ela era de 1,1%.
Ele começou a reduzir o relaxamento quantitativo, uma política dispendiosa para o Fed, mas sem acidentes até o momento. Mas à medida que a descida prossegue, o risco de uma bolha nos preços das ações cresce. Torna-se cada vez mais difícil ficar fora do mercado de ações, ainda as ações tenham subido 40% em 18 meses, com pouca ajuda dos anêmicos resultados corporativos.
E existe outro risco. A inflação agora está perto do limite inferior da faixa de flutuação proposta pelo Fed, 1%. Os preços das commodities continuam a cair.
O propósito do relaxamento quantitativo é combater a deflação, e ele pode não ter realizado essa tarefa. Se o crescimento econômico dos Estados Unidos voltar a claudicar, os riscos de deflação reaparecerão. Isso significaria que o Fed, sob Janet Yellen, poderia ter de iniciar nova escalada e ampliar o estímulo, em lugar de reduzi-lo.
Sob esse cenário, a única certeza seria uma maior volatilidade. Mas por enquanto, Bernanke pode se despedir do cargo como uma jovial figura barbada que distribui presentes.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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