Sob pressão, STF julga ação sobre controle de movimentação financeira
Em meio a pressão do governo, o STF (Supremo Tribunal Federal) começou a julgar nesta quarta-feira (18) ações que questionam a legalidade de parte da lei complementar que autoriza o compartilhamento de dados bancários com a Receita Federal, sem autorização judicial.
Foi a partir desta norma, que é de 2001, que a Receita aumentou o controle sobre as movimentações financeiras, passando —a partir deste ano— a receber informações sobre qualquer movimentação mensal acima de R$ 2.000 para pessoas físicas e R$ 6.000 mil para empresas.
O julgamento foi suspenso depois de advogados, a favor e contra a medida, colocaram suas posições. Os ministros devem retomar o caso nesta quinta.
O STF discute cinco ações, que foram apresentadas por partidos e entidades, como a CNC (Confederação Nacional do Comércio), a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e o Partido Social Liberal, além de um contribuinte que foi alvo da regra.
Eles pedem que o Supremo invalide o trecho da lei que trata sobre o sigilo de dados nas instituições financeiras. Essa norma autoriza, por exemplo, quebra de sigilo em procedimentos, sendo a partir do inquérito em processos criminais, e prevê que agentes tributários examinem documentos bancários. As entidades argumentam que só um juiz pode determinar acesso a esses dados financeiros.
O governo trabalha para manter a regra. O secretário da Receita, Jorge Rachid, chegou a visitar o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, antes do início da sessão para tratar da questão e também já teria se encontrado com ministros para pedir atenção ao caso.
Segundo a Folha apurou, Rachid teria indicado que reverter esse compartilhamento poderia trazer prejuízos, inclusive, para investigações como a Operação Lava Jato, que apura o esquema de corrupção da Petrobras, e também na Zelotes, que avalia esquema de compra de medias provisórias.
SIGILO
No julgamento, a AGU (Advocacia-Geral da União) defendeu a regra e sustentou que não há devassa.
"A lei complementar disciplina o sigilo das informações financeiras. Não se tem uma quebra do sigilo, o que se tem é uma transferência do sigilo. As instituições financeiras transferem à Receita Federal a ciência em torno dessa movimentação. A lei assegura a preservação do sigilo do cidadão e da pessoa jurídica. A Secretaria da Receita Federal assegura o sigilo dessas informações", afirmou Grace Mendonça, representante da AGU.
Segundo a AGU, o compartilhamento das informações evita a evasão fiscal, a lavagem de dinheiro e a corrupção. De acordo com o órgão, se todo sigilo dependesse de aval da Justiça, o poder público teria ingressado com 93 mil novas ações, aumentando ainda mais a carga de trabalho dos juízes.
Grace Mendonça colocou ainda que contribuintes chegaram a movimentar milhões de reais e informaram dez vezes menos à Receita.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também reforçou que não vê quebra, mas transferência de dados.
"Não há aqui quebra de sigilo, o que existe é a transferência de sigilo. A Receita é destinatária de um sigilo e tem obrigação de sigilo das próprias informações tributarias que ela dispõe. [...] O que reforça a proteção ao cidadão. Não se trata de quebra de sigilo, mas extensão do sigilo a órgãos que já têm como atividade própria lidar com sigilo no dia a dia", disse.
O procurador-geral do Banco Central, Isaac Sidney Menezes Ferreira, afirmou que seria impossível instituição cuidar da moeda sem ter acesso aos dados bancários e financeiros.
"O legislador consagrou o sigilo bancário como regra, mas definiu hipóteses excepcionais para que houvesse o compartilhamento de informações e previu punições severas para a quebra de sigilo fora das hipóteses legais. Não há espaço para hesitações. [...]", afirmou.
Segundo ele, a intimidade e a vida privada não podem ser escudo para corrupção. "Em quase 50 anos de existência do BC, a autoridade monetária efetuou 16 mil comunicações de indícios de crime do Ministério Público. A lei complementar protege sim o cidadão. Há uma proteção ao cidadão, mas essa proteção não pode dar vida fácil para a delinquência financeira e enriquecimento ilícito. Para tanto, a lei consagrou mecanismos de cooperação entre órgãos do estado que, repito, é um só. O que a lei quer impedir é um salvo conduto."
O advogado da CNI, Sérgio Campinho, defende que a medida representa quebra. ""É uma quebra automática do sigilo e de forma permanente. A administração tributária não deve ter esse livre acesso, porque devem ser respeitados os direitos fundamentais dos contribuintes. Esse é um ponto insuperável."
Para o representante da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Luiz Antonio Bichara, deve-se recorrer ao Judiciário. "O que se está a defender não é o direito de sonegação, mas a questão é que aqui o constituinte elegeu o monopólio da primeira e da última palavra do poder Judiciário. É o Judiciário que tem a prerrogativa de quebrar o sigilo. Jamais a receita, jamais os entes federados."
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