Empresas japonesas elevam preços, mas pedem desculpas ao consumidor
Ko Sasaki/The New York Times | ||
Consumidor japonês segura picolé em supermercado |
Um dos comerciais de televisão mais comentados do Japão neste ano divulga um produto incomum: a contrição.
O comercial mostra um grupo de operários e executivos de uma produtora de sorvete, formando filas ordeiras diante do edifício de sua fábrica no subúrbio de Tóquio. Ao fundo, se ouve suave música folclórica, e todos eles se curvam juntos em uma mesura de desculpas.
A transgressão da empresa? Aumentar em 10 ienes, ou cerca de nove centavos de dólar, o preço do Garigari-kun, um sorvete imensamente popular com sabor de refrigerante. Cerca de 500 milhões desses sorvetes de um azul brilhante são consumidos a cada ano, principalmente por crianças.
Aumentar preços é sério, no Japão. A lentidão da economia do país significa que o custo da maioria das coisas não sobe há 20 anos, e quase qualquer aumento vale manchetes.
Os preços ao consumidor são uma penosa dor de cabeça para o Japão. As autoridades do país vêm tentando romper o teimoso padrão de deflação por meio de injeções de dinheiro na economia e de aumentos nos gastos públicos. A economia japonesa, que vem oscilando entre expansão e contração há anos, se acelerou no primeiro trimestre, de acordo com dados governamentais divulgados na quarta-feira.
Mas os aumentos de preços que acontecem —como o do sorvete Garigari-kun, que subiu de 60 para 70 ienes— não refletem uma economia mais vibrante ou mais força no consumo. Em geral significam que uma empresa está enfrentando custos mais altos, o que afeta seus lucros. As tendências deflacionárias continuam firmes. E os salários estão sob pressão maior que os preços, e por isso o poder aquisitivo da maioria dos japoneses declinou, se comparado ao da geração precedente.
"O Garigari-kun é um produto que as crianças devem poder comprar facilmente com suas mesadas", disse Fumio Hagiwara, executivo de marketing da Akagi Nyugyo, que fabrica o sorvete. "Mas até mesmo os adultos têm menos dinheiro no bolso hoje em dia".
A Akagi aumentou seus preços pela última vez há um quarto de século, e debateu o novo aumento por sete ou oito anos, segundo Hagiwara. A alta no custo das matérias-primas por fim forçou a companhia a agir, ele diz. As restrições mais severas à exploração da madeira na China, por exemplo, implicaram em uso de madeira russa, mais cara, para a produção dos palitos de sorvete.
Em circunstâncias econômicas mais firmes, o aumento nos preços da Akagi não se destacaria. Empresas de outros países rotineiramente repassam aos consumidores o aumento em seus custos. Mas no Japão, as empresas que enfrentam alta de custos sentem que têm menos capacidade de fazê-lo porque os salários estão estagnados. Em lugar disso, aceitam lucros menores ou cortam suas despesas, em vez de afastar os consumidores.
"Nossa renda não cresce, mas os impostos estão subindo", disse Kazuko Ida, 65, que vive em Tóquio. Como resultado, ela afirma relutar especialmente em elevar seus gastos. "Que os produtos de luxo sejam caros é uma coisa, mas se as coisas baratas deixam de ser baratas, isso cria um problema".
As autoridades econômicas japonesas há muito identificaram a deflação como inimiga número um da economia. O primeiro-ministro Shinzo Abe conquistou o poder quatro anos atrás com a promessa de eliminá-la. O banco central vem inundando os mercados financeiros com dinheiro a baixo custo, e chegou a reduzir sua principal taxa de juros a menos que zero, uma medida tentada por apenas alguns poucos dos demais países desenvolvidos.
Mas os resultados que as autoridades buscavam —aumentos robustos na captação e no consumo, e uma alta sustentada dos preços— não estão surgindo. O Índice de Preços ao Consumidor voltou a cair abaixo de zero, depois de subir nos dois primeiros anos do governo Abe. Os preços no atacado caíram em 4,2% em abril, seu declínio mais acentuado em seis anos.
Uma alta recente no valor de iene, depois de diversos anos de fraqueza na gestão Abe, tornou mais difícil derrotar a deflação. Um iene mais fraco significa importações mais caras, o que ajuda a propelir a inflação. Mas agora as importações estão se tornando mais baratas, de novo.
Os indicadores econômicos divulgados na quarta-feira mostram que a economia japonesa se expandiu em 1,7% em termos anualizados e ajustados pelos preços, no trimestre encerrado em março. Foi um crescimento superior às projeções. Mas os economistas recomendaram cautela: os gastos dos domicílios e empresas caíram, e o mesmo se aplica às exportações - e as três coisas são pilares essenciais do crescimento.
Em lugar de confiar neles, a economia se beneficiou de gastos governamentais mais altos e de uma queda nas importações. O dia a mais em fevereiro, por conta do ano bissexto, também ajudou, segundo os especialistas.
"Os motivos para essa alta que veio de surpresa não são encorajadores", disse Masamichi Adachi, economista chefe do JPMorgan Chase para o mercado japonês. Ele disse que era provável que a economia continuasse estagnada.
Desde a eleição da coalizão conservadora liderada por Abe em dezembro de 2012, a economia teve oito trimestres de expansão e cinco de contração. Pesquisas de opinião pública conduzidas pelos jornais sugerem que cerca de metade dos eleitores estão insatisfeitos com o programa econômico, apelidado Abenomics. A oposição política desorganizada não oferece muito em termos de alternativas, mas a eleição para a câmara alta do Legislativo em julho está criando pressão por uma reversão da situação.
Abe está em busca de maneiras de recuperar o ímpeto. O governo está preparando um orçamento suplementar de estímulo, e está considerando postergar o aumento do imposto nacional sobre as vendas planejado para abril de 2017. O aumento de dois pontos percentuais na alíquota do imposto, o segundo dos dois aumentos planejados, já foi postergado uma vez.
Os defensores da medida dizem que ela é necessária para reduzir o grande deficit orçamentário japonês. Mas o primeiro aumento, em 2014, prejudicou os consumidores e foi considerado culpado por lançar a economia a uma recessão.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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