Cuba tem 'boom' de start-ups, mesmo com restrições à internet
Yondainer Gutiérrez, 28, sonha em ter acesso à internet em casa, mas, lembrando um verso do cantor cubano Silvio Rodríguez, diz que "as maravilhas virão de forma um tanto lenta". Ele espera pela conexão, mas já criou um negócio com a rede.
Gutiérrez, um dos criadores do guia on-line e app de restaurantes Alamesa, faz parte de uma nascente geração de empreendedores que tentam se antecipar à lenta inclusão digital na ilha, criando serviços virtuais em um país em que quase ninguém tem acesso à rede domiciliar –nem eles próprios.
Em Cuba, 4% dos lares estão conectados, segundo a ITU (União Internacional das Telecomunicações) –em geral são residências de diplomatas ou funcionários de empresas estrangeiras. A internet está praticamente restrita a prédios do governo, universidades, alguns hotéis e, desde 2015, praças e parques com wi-fi. Hoje, há cerca de 20 na capital, Havana.
Nesses locais, é comum ver usuários presos a seus smartphones ou laptops fazendo o download de todo o conteúdo que puderem. Pode-se baixar e-mails, escrever uma resposta estando off-line e depois se reconectar. É uma forma de economizar –uma hora de acesso, obtido com um cartão da estatal Etecsa, custa 5 CUCs (R$ 16; o CUC é uma das moedas locais). O salário médio na ilha é de R$ 120.
"Poucos creem que essa situação vá se manter para sempre e quase sempre há benefícios em ser o primeiro a chegar", diz Jorge Romero, um dos organizadores do Start-up Weekend, conhecido evento global de empreendedorismo que terá sua segunda edição em Havana em agosto.
Durante sua visita ao país, em março, o presidente americano, Barack Obama, chegou a anunciar um acordo do Google para fornecer conexão na ilha. Mas, aparentemente, as negociações não avançaram desde então.
Como é comum no linguajar de empreendedor, os empresários dizem estar "bem posicionados" diante de uma "oportunidade", "resolvendo um problema real". Assim como acontece no Brasil, eles evitam falar em faturamento. Dizem que, por enquanto, o foco é no desenvolvimento.
"O momento que se vive em Cuba é único no mundo. Eu não me concentro nos inconvenientes, apenas vejo uma oportunidade inigualável", afirma o engenheiro Juan Luis Santana Barrios, 24, um dos criadores do Ke Hay Pa' Hoy? (o que tem pra hoje), um guia on-line de eventos culturais do país –para anunciar, é preciso telefonar.
Barrios terminou a universidade, então tem de recorrer constantemente às praças com wi-fi, onde a conexão é "lenta e instável".
Criar um produto digital no país envolve fortes barreiras em cada fase de desenvolvimento: programá-lo, entregá-lo e receber por ele. Além disso, não há a figura do "investidor-anjo", a pessoa que investe em negócios em estágio inicial. Gutiérrez e os sócios alugaram um escritório do governo, o que permite que eles paguem 330 CUCs por mês (R$ 1.000) para ter acesso à rede. "É uma das mais caras do mundo, mas a única forma legal de se conectar em Cuba."
EXPERIÊNCIA
Mas do que adianta se esforçar para criar um serviço on-line se seu público não poderá acessá-lo? Bem, internautas cubanos estão um tanto acostumados a acessar conteúdo da rede sem estarem conectados a ela.
Há alguns anos circula na ilha o El Paquete Semanal, serviço em que o conteúdo é distribuído de modo off-line: uma vez por semana, o assinante recebe, por 5 CUCs, um pendrive com filmes e notícias para baixar no computador.
O que esses novos empresários fazem, então, é adaptar um pouco essa lógica. Apps e páginas são desenvolvidos para serem baixados e depois usados off-line.
Em uma sociedade com baixo índice de bancarização, grande parte dos anúncios é paga em dinheiro vivo (sem transferência on-line, cartão de crédito, PayPal etc.). Algo a que grandes empresas também tiveram de se adaptar. O site de hospedagem Airbnb, que começou a operar no país em 2015, paga aos donos das casas que aceitam reservas por entregas porta a porta.
Esse tipo de solução não está restrita a Cuba e há um certo interesse de empresas americanas de usar a realidade cubana como uma forma de aprender a lidar com mercados pouco conectados ou com rede intermitente, caso inclusive do Brasil.
Neste ano, os criadores do Ke Hay Pa' Hoy? foram convidados a um périplo por grandes companhias do Vale do Silício, com o objetivo de falar sobre os desafios de criação da plataforma.
"Apesar de extrema em Cuba, a situação é similar na maioria do mundo subdesenvolvido, então as técnicas utilizadas podem servir para outros mercados", diz Romero.
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CUBA.COM - Serviços virtuais na ilha
UBER LOCAL
O Yotellevocuba.com permite contratar motoristas autônomos, mas sem o GPS do smartphone; o cliente pede a corrida e recebe por e-mail indicações de três possíveis condutores para negociar: o serviço é pago em dinheiro, não em cartão
NETFLIX OFF-LINE
El Paquete Semanal permite ter acesso a filmes, séries de TV, incluindo "Game of Thrones", e músicas: o conteúdo vem em pendrives entregues porta a porta; o cliente deve baixar o que lhe interessa e devolver o equipamento no dia seguinte
PARA SE GUIAR
Já há no país uma quantidade considerável de guias on-line e apps para encontrar restaurantes (AlaMesa), eventos, programação noturna e shows (Ke Hay Pa' Hoy?)
Livraria da Folha
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