Crítica
Livro descreve relação milenar entre homens e máquinas
Exagerar a novidade de sua própria era, e acreditar que os desafios e oportunidades que ela traz jamais surgiram para outros, talvez seja a ilusão de cada geração. O mesmo acontece hoje, ao contemplarmos o nosso futuro automatizado.
O grande serviço prestado pelo novo livro de Thomas Rid, "Rise of the Machines: The Lost History of Cybernetics" [ascensão das máquinas: a história perdida da cibernética] é destacar que estamos tentando lidar com os problemas do relacionamento entre homem e máquina por muito mais tempo do que talvez imaginemos. O texto também mostra a maneira pela qual o debate terminou colorido por todo o espectro de emoções.
Bobby Yip/Reuters | ||
O robô Mark, que é inspirado em uma estrela de Hollywood, e o seu criador, Rick Ma |
De acordo com Rid, a ideia de fazer o papel de Deus e criar vida mecânica antedata em muitos séculos a invenção dos computadores - pelo menos no mundo da mitologia. O folclore judaico primitivo conta a história do golem: uma figura disforme de barro à qual humanos deram vida. Os gregos inventaram Hefesto, o ferreiro divino, que fabricava autômatos de bronze.
O dramaturgo tcheco Karel Capek nos deu os R. U. R. (Robôs Universais de Rossum), uma história sobre uma fábrica que produzia trabalhadores artificiais; a história popularizou a palavra "robô", quando a peça foi encenada nos Estados Unidos nos anos 50.
Os seres humanos há muito se sentem obcecados por máquinas capazes de pensar e tomar decisões autonomamente. E nos anos 40 essas ideias começaram a se tornar realidade, quando projéteis de artilharia antiaérea dotados de fusos de proximidade equipados com rádio ajudaram a abater os aviões sem piloto V-1, durante a Segunda Guerra Mundial. "Nunca antes uma arma autônoma havia combatido outra arma autônoma com tão pouca interferência humana", escreve Rid.
Norbert Wiener, um excêntrico e brilhante matemático do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), cunhou o termo cibernética e emergiu como principal teórico da nova disciplina, publicando "Cybernetics; or Control and Communication in the Animal and the Machine", em 1948. Nas palavras de Rid, Wiener e os primeiros pesquisadores de cibernética substituíram a magia da mitologia pela ciência.
Wiener foi visto como "o profeta da segunda revolução industrial", e variava de intenso entusiasmo a profundo pessimismo, em suas projeções. Em 1950, escreveu que as máquinas automáticas seriam o equivalente econômico do trabalho escravo, produzindo "uma situação de desemprego em comparação com a qual... a depressão dos anos 30 parecerá uma piada amena". Essa opinião ressoa de modo especialmente forte hoje, quando voltamos a nos preocupar com a ascensão dos robôs.
Rid, professor de estudos de segurança no King's College de Londres, é um belo cronista desse debate, relembrando habilidosamente a esperança, o exagero e o medo que acompanharam o nosso pensamento sobre autômatos. "As máquinas foram sempre uma força positiva e negativa ao mesmo tempo, utópicas e distópicas, ainda que pela maior parte do tempo o otimismo dominasse".
Governos e forças armadas predominavam no uso inicial de computadores, nos anos 50 e 60, e o exército dos Estados Unidos chegou a considerar o uso no Vietnã de um tanque de guerra de 5,40 metros dotado de duas pernas, conhecido como "Pedipulator".
Pensadores radicais e libertários nos Estados Unidos persistiam em sua suspeita quando aos computadores, vendo-os como mecanismo de controle social. Um deles definiu os ciborgues como "filhos ilegítimos da união entre o militarismo e o capitalismo patriarcal".
Mas à medida que os computadores ganhavam potência e se tornavam mais acessíveis, passaram cada vez mais a ser vistos pelos hippies da costa oeste dos Estados Unidos como mecanismo de libertação, o que ajudou a estimular o espantoso desenvolvimento do Vale do Silício. O psicólogo norte-americano Timothy Leary comparou computadores a drogas psicodélicas, dada sua capacidade de expandir a mente.
Visões mais harmoniosas de homem e máquina emergiram, e por volta de 1995 se estimava que 10% da população dos Estados Unidos talvez já merecesse a classificação ciborgue, por conta dos implantes usados em seus corpos, a exemplo de marca-passos e juntas artificiais. A visão poética de Richard Brautigan sobre os computadores como "máquinas de graça amorosa" começou a tomar forma.
"Rise of the Machines" é um livro fascinante, ainda que um pouquinho frustrante, deslumbrante em dados momentos mas sem conseguir apresentar um todo integrado. Uma lição dura é de que devemos manter a cautela quanto àqueles que preveem o impacto futuro da tecnologia. "Os futuristas, claro, nem sempre erraram sobre o futuro, mas erraram sobre a velocidade, a escala e a forma das coisas", escreve Rid. "E continuam a fazê-lo".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Rise of the Machines
AUTOR Thomas Rid
EDITORA Scribe
QUANTO R$ 35,25 (e-book na Amazon; 352 págs)
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